{"id":177,"date":"2006-03-23T22:58:35","date_gmt":"2006-03-23T22:58:35","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=177"},"modified":"2016-09-23T23:00:41","modified_gmt":"2016-09-23T23:00:41","slug":"romance","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/2006\/03\/23\/romance\/","title":{"rendered":"Romance"},"content":{"rendered":"

A hist\u00f3ria da vida. A vida \u00e9 hist\u00f3ria. A hist\u00f3ria s\u00e3o vidas. As vidas comp\u00f5em a hist\u00f3ria. As hist\u00f3rias de vidas \u00e9 que sustentam a vida na sua continuada descontinuidade a perpetuar-se em sua hist\u00f3ria.
\nE mais que cont\u00e1-la, os homens, seu fundamental art\u00edfice, atuam na tessitura dos seus infind\u00e1veis e intrincados enredos. S\u00e3o seus personagens, cujas a\u00e7\u00f5es os fazem destacar-se ou anonimarem-se.
\nEstes \u00faltimos, quase todos, bravos oper\u00e1rios, s\u00e3o as vigas mestras dessa descomunal \u00f3pera aberta. T\u00eam a virtude da toler\u00e2ncia inesgot\u00e1vel, da esperan\u00e7a renov\u00e1vel e a certeza do perene perecimento por uma grandeza humana, \u00fanica, que um dia finalmente h\u00e1 de ser. S\u00e3o assim, conquanto tudo viva parecendo contrariar esta n\u00e3o menos perene esperan\u00e7a.
\nOs destacados protagonizam eventos cujas causas e efeitos os sobrep\u00f5em e os imortalizam como her\u00f3is ou vil\u00f5es. E assim o s\u00e3o n\u00e3o apenas por atua\u00e7\u00e3o, o s\u00e3o por omiss\u00f5es igualmente. E muitos s\u00e3o os omissos que posam como e passam por her\u00f3is. E muitos dos que se entregam de corpo e alma na constru\u00e7\u00e3o de certas causas sociais, humanas, e menos pessoais, s\u00e3o dados como e passam por vil\u00f5es.
\nOs conflitos, os atritos que os movem e os entrechocam, e os nomeiam, e os alardeiam como tais, t\u00eam causa comum: a condi\u00e7\u00e3o humana. Numa invariante cujo arqu\u00e9tipo, por certo, \u00e9 o perdido Para\u00edso. Concebido, mas n\u00e3o vivido. Prometido, mas n\u00e3o concedido. Um Para\u00edso a ser constru\u00eddo no tempo e espa\u00e7o vividos: a Terra \u2013 in\u00edcio e fim de todas as coisas. Ou n\u00e3o. E sim um Para\u00edso perdido cuja conquista se aplica neste tempo e espa\u00e7o \u2013 o terrestre, o in\u00edcio, e termina noutros, o c\u00e9u \u2013 o fim.
\nEnt\u00e3o os her\u00f3is-vil\u00f5es que contracenam com os vil\u00f5es-her\u00f3is agem, tendo em conta uma coisa comum cujos fins, todavia, s\u00e3o diferentes para\u00edsos. Logo, fazem dos muitos comuns e mesmos recursos e meios usos e empregos heterog\u00eaneos.
\nE, em meio a isso tudo, o meio em que essas hist\u00f3rias acontecem, por certo, tendo como causa sua pr\u00f3pria condi\u00e7\u00e3o, mais que o grande espa\u00e7o, \u00e9 uma personagem tanto adjuvante, quanto oponente. N\u00e3o se presta ao jogo de intrigas propriamente jogado por aqueles. Nem tampouco age como as an\u00f4nimas personagens-oper\u00e1rias. Por\u00e9m, parece que com toler\u00e2ncia, n\u00e3o passiva, tem admitido a conviv\u00eancia com aqueles outros todos personagens na conjuga\u00e7\u00e3o de suas causas: a preserva\u00e7\u00e3o da condi\u00e7\u00e3o humana em conson\u00e2ncia com a preserva\u00e7\u00e3o da condi\u00e7\u00e3o natureza.
\nEnt\u00e3o a natureza n\u00e3o se retira como espa\u00e7o (palco) desta hist\u00f3ria (espet\u00e1culo). Ao contr\u00e1rio, n\u00e3o obstante tenha se entregado \u00e0 boa conviv\u00eancia, \u00e9 indiferente ao conflito infindo entre os grandes protagonistas-oponentes que, por isso mesmo, t\u00eam sido dela mais oponentes do que comparsas. Ao contr\u00e1rio das personagens-oper\u00e1rias, ela tem reagido, o que complexifica ainda mais a trama urdida, tornando esta hist\u00f3ria uma (at\u00e9 quando?) perene obra aberta.
\nPor seu turno, o narrador est\u00e1 magistralmente em posi\u00e7\u00e3o de absoluto distanciamento. Sua estrat\u00e9gia \u00e9 o recurso de uma grande polifonia discursiva. N\u00e3o narra a hist\u00f3ria. Deixa que ela se conte por si mesma. Que os m\u00faltiplos discursos, impregnados de sua ideologia, polemizem na contraposi\u00e7\u00e3o de seus interesses.
\nUma neutralidade narrativa talvez apenas estrat\u00e9gica mesmo, deixando assim que os narrat\u00e1rios (espectadores, assistentes, ouvintes ou leitores), ante a crueza dos discursos que os querem persuadir, revoltem-se, saltem para dentro da hist\u00f3ria e atuem pela sensatez, cuja vit\u00f3ria ser\u00e1 a salva\u00e7\u00e3o \u00fanica \u00e9 indistinta.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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