{"id":25,"date":"2005-01-07T14:47:00","date_gmt":"2005-01-07T14:47:00","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=25"},"modified":"2016-09-23T18:28:52","modified_gmt":"2016-09-23T18:28:52","slug":"medo","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/2005\/01\/07\/medo\/","title":{"rendered":"Medo"},"content":{"rendered":"\n\n\n
Data <\/span>07\/jan\/2005<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u201cEm verdade temos medo.
\n[…]
\nE fomos educados para o medo
\nCheiramos flores de medo
\nVestimos panos de medo.
\nDe medo, vermelhos rios
\nvadeamos.\u201d
\n(Carlos Drummond de Andrade, \u201cO medo\u201d, em A rosa do povo)<\/span><\/span>O medo. O medo que ronda a inquietude que a ele se irmana. O medo que a toda coragem acompanha. O medo do abandono. Que acometeu Jesus Cristo no horto sinistro. Que acomete algu\u00e9m de s\u00fabito de todos perdido. Que acomete o filhote deixado na cal\u00e7ada, no port\u00e3o de qualquer casa, numa noite ou madrugada; num terreno baldio dado \u00e0s tra\u00e7as. O medo do abandono a que se v\u00ea um homem ou uma mulher cuja decrepitude aturde, atrapalha, entrava, desgasta. O medo do abandono de que s\u00ea v\u00ea acometida uma mulher cujo desaparecimento do marido a deixa a merc\u00ea com a dependente prole. O medo do s\u00fabito abandono em que se v\u00ea um homem, uma mulher do grande amor que se foi embora.
\nO medo do novo que incomoda e paira feito uma esp\u00e9cie de amea\u00e7a. O medo de romper com o antigo dado sobejamente como j\u00e1 inadequado, mas que ainda assegura o status.
\nO medo do confronto que fatalmente provocar\u00e1 uma mudan\u00e7a de estado; que provocar\u00e1 o desconforto de ter exposto o outro lado; que provocar\u00e1 perdas e desamparos cujas repara\u00e7\u00f5es exigir\u00e3o, para n\u00e3o se sucumbir.
\nO medo de um fracasso. Que imediatamente deflagra a condol\u00eancia, mas tamb\u00e9m o menosprezo. Que, onde impera o sucesso \u2013 \u00fanico tra\u00e7o que ao mercado interessa –, requer um vigoroso suporte, para se impedir o tr\u00e1gico.
\nO medo da viol\u00eancia que tolhe, que impede, que mutila, que anula. A viol\u00eancia em suas m\u00faltiplas facetas: f\u00edsicas, psicol\u00f3gicas, sociais, profissionais, pol\u00edticas. E toca a cercar-se de formas e mecanismos para dela resguardar-se, que com ela conviver \u00e9 sina, destino.
\nO medo do assalto que extrai, apropria-se, apodera-se do que uma vida de trabalho conseguiu.
\nO medo do desemprego cr\u00f4nico e potencial que a vida global contempor\u00e2nea emprega. O que desagrega, p\u00f5e em p\u00e2nico, ante o rondar da mis\u00e9ria, a presen\u00e7a de sutis manifesta\u00e7\u00f5es da fome.
\nO medo das balas perdidas que passeiam impunes, madon\u00e1rias, pelas ruas, avenidas, esquinas, guetos, becos, bairros e toda desordem de periferia.
\nMedo dos esquecimentos. O esquecimento da pessoa amada. O esquecimento do filho, da filha, dos filhos. O esquecimento dos amigos. Medo de que a morte apague a imagem, a mem\u00f3ria. Medo, enfim, de n\u00e3o ter conseguido fazer hist\u00f3ria. Medo de passar inc\u00f3lume, como passam as frutas de esta\u00e7\u00e3o, com passa pela rua um c\u00e3o. Medo desse absoluto anonimato. Como ficam no papel toda a vida, depositados em registros batismo e crisma. Medo de esquecer-se de si mesmo, dos outros, do sentido da vida, das coisas. Medo de esquecer-se de se saber amado. Medo de se saber esquecido de seu amor. Medo de esquecer-se de ter desejos, vontades. Medo de esquecer-se de sonhar. Medo de n\u00e3o conseguir mais construir uma palavra que desvane\u00e7a suas falhas; uma palavra que fa\u00e7a se iluminar a aura de sua alma; uma palavra que ulule o ardor de sua paix\u00e3o.
\nMedo de ir embora levando consigo tristezas e desd\u00e9ns. Medo de ver ir-se embora quem jamais quisera ofendido nem tampouco carregado de amarguras.
\nMedo da soberba, da gan\u00e2ncia, da presun\u00e7\u00e3o. Medo de ser um mero arremedo. Medo da inani\u00e7\u00e3o provinda do medo. Medo de n\u00e3o ter medo.<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Data 07\/jan\/2005 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u201cEm verdade temos medo. […] E fomos educados para o medo Cheiramos flores de medo Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios vadeamos.\u201d (Carlos Drummond de Andrade, \u201cO medo\u201d, em A rosa do povo)O medo. O medo que ronda a inquietude que a ele se irmana. 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