{"id":275,"date":"2004-02-20T00:09:18","date_gmt":"2004-02-20T00:09:18","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=275"},"modified":"2016-09-24T00:09:55","modified_gmt":"2016-09-24T00:09:55","slug":"sobre-uma-das-mortes-nao-anunciadas","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/2004\/02\/20\/sobre-uma-das-mortes-nao-anunciadas\/","title":{"rendered":"Sobre uma das mortes n\u00e3o-anunciadas"},"content":{"rendered":"<table border=\"0\" width=\"300\" cellspacing=\"0\" cellpadding=\"0\">\n<tbody>\n<tr>\n<td height=\"2\"><span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">Data 20\/fev\/2004<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n<p><span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">\u00a0 \u00a0 \u00a0A caminho de casa. Findava o dia. Desde a primeira hora apta a in\u00edcio de trabalho \u2013 sete da manh\u00e3, \u00e0 \u00faltima. Nada a reclamar. N\u00e3o desgostava em absoluto do trabalho que mantinha digna sua e outras vidas dele dependentes. Apenas repassava a consci\u00eancia e constatava um cansa\u00e7o decorrente. Mas cansa\u00e7o confort\u00e1vel, dissip\u00e1vel. J\u00e1 o ato de ir para casa tinha a impuls\u00e3o da \u00e1vida necessidade do exerc\u00edcio f\u00edsico. Corrida ou nata\u00e7\u00e3o, ou halterofilismo. Era o seu real descanso. Lavava-se em suor em sua longa corrida. Desfibrilava os pulm\u00f5es, tonificava os m\u00fasculos dos membros.<br \/>\nUma quase mesmice, quase repetitiva rotina de um sujeito cidad\u00e3o registrado na malha da escorchante tributa\u00e7\u00e3o oficial violenta ao pouco pec\u00fanio proveniente do trabalho.<br \/>\nO retorno a casa em sua primeira pausa de jornada total se fazia. Ia com pressa, que antes do in\u00edcio da segunda etapa, a impulsiva e imperativa determina\u00e7\u00e3o das endorfinas exigia o exerc\u00edcio do dia.<br \/>\nNuma das travessas de seu trajeto, uma quebra da rotina das ruas e avenidas, onde ve\u00edculos aut\u00f4matos trafegam induzidos por suas obriga\u00e7\u00f5es a cumprir. Todavia, nada extraordinariamente inusitado. Nada que ainda n\u00e3o compusesse o cat\u00e1logo dos fatos ocorrenciais no tr\u00e2nsito das malhas vi\u00e1rias citadinas. Certo \u00e9 que uma colis\u00e3o, um atropelamento, sempre incomodam almas, al\u00e9m de fluxo, e sempre atrai a m\u00f3rbida curiosidade do animal humano transeunte.<br \/>\nQuando ali chegara e efetuava a melindrosa travessia \u2013 muita gente na pista a p\u00e9, ciclistas, autom\u00f3veis curiosos trafegando morosamente \u2013 j\u00e1 havia o servi\u00e7o policial de tr\u00e2nsito que atuava em sua burocr\u00e1tica opera\u00e7\u00e3o autuadora, j\u00e1 o servi\u00e7o ambulatorial m\u00f3vel prestava os primeiros socorros.<br \/>\nFora se livrando de tudo aquilo pelos espa\u00e7os m\u00ednimos cuidadosamente. Tinha a aten\u00e7\u00e3o fixa em sua opera\u00e7\u00e3o-ultrapassagem. Ent\u00e3o vislumbrava apenas fiapos do sinistro. Feita a travessia, j\u00e1 retomado o ritmo do retorno, certamente alterado pelos bloqueios, com a cabe\u00e7a distra\u00edda e fixa no que havia ainda por se feito naquele dia que se completaria com a noite j\u00e1 bem ida, fiapos daquele sinistro foram se compondo. Aparecia um jeep luxuoso em posi\u00e7\u00e3o perpendicular; uma motocicleta retorcida uma silhueta de corpo estendido. Era tudo. Conclu\u00edra o pensar sobre aquilo pelo corriqueiro conformismo que se formula no desejo de que tudo acabasse bem.<br \/>\nEstava em pleno cooper. A rodovia em seu denso movimento. J\u00e1 atingira o ponto prazeroso (e perigoso) da corrida, quando se desencadeia a vontade de ainda mais. A tarde morria. Consistia sua tarefa em um percurso de ida numa pista e de volta noutra.<br \/>\nA noite ia tomando conta. Na cabe\u00e7a, a etapa de trabalho a se reiniciar da\u00ed a pouco. Os ve\u00edculos trafegam com suas luzes acesas. Estava no trecho em que a rodovia, com seus altos abarrancados, faz-se um gigante corredor.<br \/>\nEnt\u00e3o viu, ainda meio a dist\u00e2ncia, vindo de encontro a ele um pequeno c\u00e3o, que, talvez tamb\u00e9m por v\u00ea-lo, estacou um instante e depois p\u00f4s-se a ir no mesmo sentido e mais apressado. Come\u00e7ou a sentir medo. O tr\u00e1fego era intenso.<br \/>\nE aconteceu. O c\u00e3ozinho entrou na pista e n\u00e3o conseguiu atravess\u00e1-la. Escutou os baque e o grande grito. Foi espeda\u00e7ado, consolou-se. Mal sentiu a dor. N\u00e3o fora, todavia. Ficou est\u00e1tico uivando a sua dor na pista. Autom\u00f3veis vinham em f\u00faria. Resolutamente, adiantou-se, tomou o c\u00e3o pelo rabo e o atirou na vala entre as duas pistas.<br \/>\nMas, seguindo embora come\u00e7ou a ficar arrependido. Ele talvez sofreria muito ainda antes de morrer. Melhor teria sido ficar na pista para o tiro de miseric\u00f3rdia.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"<p>Data 20\/fev\/2004 \u00a0 \u00a0 \u00a0A caminho de casa. Findava o dia. Desde a primeira hora apta a in\u00edcio de trabalho \u2013 sete da manh\u00e3, \u00e0 \u00faltima. Nada a reclamar. N\u00e3o desgostava em absoluto do trabalho que mantinha digna sua e outras vidas dele dependentes. Apenas repassava a consci\u00eancia e constatava um cansa\u00e7o decorrente. 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