{"id":302,"date":"2004-06-04T01:00:37","date_gmt":"2004-06-04T01:00:37","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=302"},"modified":"2016-09-24T01:01:36","modified_gmt":"2016-09-24T01:01:36","slug":"em-cismar-sozinho-e-o-que-ha","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/2004\/06\/04\/em-cismar-sozinho-e-o-que-ha\/","title":{"rendered":"Em cismar sozinho \u00e9 o que h\u00e1"},"content":{"rendered":"\n\n\n
Data <\/span>04\/jun\/2004<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Por vezes se v\u00ea tomado de um certo torpor de olhar o todo sem enxergar nada. Enxergar a vis\u00e3o panor\u00e2mica de um nada, feito puro pensamento puro. Ficar-se como se em hipnose. Desgoverno de ju\u00edzo. A alma parece em absoluto estado de abstra\u00e7\u00e3o.
\nNada semelhante. Nem o sonho. Nem o del\u00edrio. Os sentidos embotados, recolhidos em si mesmo. Sujeito feito um jabuti entranhado em sua pr\u00f3pria carapa\u00e7a. Que \u00e9 seu corpo cavernoso em cujos esconsos cabe seu pesco\u00e7o portador de seu pensante miolo.
\nTorpor que encasula o homem que se p\u00f5e em estado de cismar.
\nAquele absoluto escuro claramente visto pelo matuto, quando matuto havia. De c\u00f3coras, chap\u00e9u arribado \u00e0 testa, cigarro de palha da orelha \u00e0 boca, isqueiro aceso pondo o fumo em boa brasa. Depois ficar ali tragando, olhando a fuma\u00e7a, olhando para o nada que \u00e9 um ro\u00e7ado cheio de mantimento esperando se livrar daqueles importunos matos. E ele pita e olha o nada, a fuma\u00e7a, a brasa. Prazeros\u00edssima s\u00edncope de si mesmo.
\nPor vezes, quando a si restitu\u00eddo dessa m\u00ednima e intensa desmiragem, pensamento na palma da m\u00e3o da mente s\u00e3, p\u00f5e-se a raciocinar. O racioc\u00ednio que \u00e9 avesso a desbundes melanc\u00f3licos sensoriais fica em estado de ponderabilidades na consecu\u00e7\u00e3o da precisa clareza a essa \u00e9bria condi\u00e7\u00e3o pela qual de quando em vez se entrega o homem, esse animal \u00fanico com o dom da consci\u00eancia, de dom\u00ednio do racioc\u00ednio.
\nEntregar-se a estado let\u00e1rgico, quando nada da\u00ed advenha, sen\u00e3o inc\u00f4nscias desraz\u00f5es, omiss\u00f5es, fuga ao que a vida ostenta para ser desvencilhado. N\u00e3o cabem ao poder do racioc\u00ednio concess\u00f5es ao inconsciente vadio pondo-se a arquitetar desconstru\u00e7\u00f5es.
\nA natureza bruta em seu acabado estado de coisa pronta e transform\u00e1vel \u00e0 merc\u00ea do ser \u00fanico que dela n\u00e3o \u00e9 dependente absoluto. Esse todo m\u00e1gico poderoso vem sendo dado cada vez mais como quem da racionalidade humana depende. O que nela fora d\u00e1diva ao conforto desse especial filho-irm\u00e3o come\u00e7ou a acentuar-se em amea\u00e7a de profundas e irrevers\u00edveis desgra\u00e7as.
\nTalvez por isso mesmo, exercendo esse seu misterioso m\u00e1gico poder incute, em muitos desses seus filhos-irm\u00e3os, o sentimento de intransig\u00eancia defesa do que lhe \u00e9 ess\u00eancia: suas matas e florestas, suas \u00e1guas \u2013 rios, mares, os outros seres animais, dos quais, embora n\u00e3o percebam, \u00e9 sim dependente e n\u00e3o apenas eles o s\u00e3o.
\nA urg\u00eancia de desembotar-se e compreender que n\u00e3o h\u00e1 nenhuma absoluta independ\u00eancia na face da Terra, no incomensur\u00e1vel universo c\u00f3smico. Que em vez de desesperada e despendiosissimamente ficar a constatar estados des\u00e9rticos e est\u00e9reis nos outros astros, devia o homem cultivar, preservar, cultuar sua m\u00e3e-irm\u00e3-amada Terra, seus mesmos irm\u00e3os com os quais dela s\u00e3o filhos e nela habitam.
\nAh o homem. Esse complexo de nervos vibrantes que somatizam uma linguagem. Esse complexo de \u00c9dipo. Esse complexo de Electra. Esse complexo de neur\u00f4nios prodigiosos produzindo. Produzindo ang\u00fastias. Produzindo loucuras. Produzindo diabruras. Produzindo milagres. Escavando espectros vivos nos escondidos da cavilosa vontade de complexos desejos e insaciedades.
\nPois ent\u00e3o. Tais reflex\u00f5es pululando em seu c\u00e9rebro solto pelo devaneio racioemotivo subseq\u00fcente \u00e0quele esgar de entorpecimento l\u00facido em que a linguagem n\u00e3o \u00e9 racioc\u00ednio, mas pura sensibilidade, tais reflex\u00f5es pensam o mundo com raz\u00e3o crivando-se em pungente emo\u00e7\u00e3o.
\nO olhar no fosso do horizonte. O olhar no fundo do brilho do olhar da amada. O olhar esparramado no bem-te-vi que, na \u00e1rvore, a seu modo, se protege do aguaceiro da chuva. O Olhar difuso perdido na flutua\u00e7\u00e3o da lua branca.
\nOlhares que cismam, que divagam, levando o homem \u00e0 mesmice do sempre vivo desconhecido.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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