Data <\/span>14\/jun\/2004<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Espectros rondando. Como se pouco fora toda a vida desfiada por esses vale de l\u00e1grimas e de d\u00e1divas, de fadas e de enfados. Como se poucos, atos e omiss\u00f5es que lhes s\u00e3o creditados, de que passam a ser portadores enquanto forem. Grassam a granel pelos espa\u00e7os f\u00edsicos e imagin\u00e1rios, compondo um vivo arsenal de homens mortos. Atores vivos dessa grande e eterna epop\u00e9ia dram\u00e1tica cujo palco \u00e9 esta espa\u00e7onave Terra solta no abismo. \nEspectros rondando. Certas vozes em surdinas percutindo decisivas na costura do destino de criaturas. Vozes ind\u00f4mitas, tortuosas, torturantes vozes. Ressoam nesses espectros o gosto de seus \u00e1cidos perdigotos, o p\u00fatrido de seus arrotos. Espectros expelindo seus arroubos, embora suas presas os saibam mortos. Todavia, se lhes figuram insepultos. \nEspectros rondando. Plantados em pra\u00e7as, expostos aos olhos aut\u00f4matos dos que v\u00e3o e vem levando consigo espectros outros; espectros cuja hist\u00f3ria espec\u00edfica deles habitam, aos quais imposs\u00edvel ser indiferentes e que, por isso, nada podem fazer sen\u00e3o todos os olhares neles pousarem. \nEspectros feitos portentos, portando ignotas hist\u00f3rias an\u00f4nimas de milh\u00f5es de almas perambulantes na consecu\u00e7\u00e3o c\u00e1ustica de sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria, calcinada pelo sofrimento de irem sendo espectros vivos, lutando contra a fome que amea\u00e7a torn\u00e1-los completamente inermes. \nEspectros rondando. Figurantes de um imagin\u00e1rio que sobrepaira em forma de paradigma, dado como digno de cr\u00e9dito, para espelhar o rumo altivo da vida. Comp\u00f5em a cartilha do pensamento ideol\u00f3gico construtor de hist\u00f3rias, as quais pretendem sejam de face un\u00e2nime, para que nada escape aos dom\u00ednios de seus conhecidos cinco sentidos. \nFigurantes de um imagin\u00e1rio cujas senten\u00e7as dogm\u00e1ticas habitam o abstrato com suas cl\u00e1usulas v\u00e1rias, contr\u00e1rias, contradit\u00f3rias. Na sua quietude beatificada, emplacam os sinais do tr\u00e2nsito a ser percorrido nas concretas vias de pedra, e lama, e plumas, e p\u00e1trios, e pl\u00e1cidos, e lumes e penumbras. \nEspectros rondando. Quando \u00e0 mesa certos simbolizados lugares vazios est\u00e3o tomados. Quando em certas conversas s\u00e3o o referente das falas. Fetiches tornados para coletivas e heterog\u00eaneas causas. Mobilizadores e esteios de causas sociais justas, injustas, ing\u00eanuas, escusas. \nEspectros de m\u00faltiplos e diferentes desejos. Que acendem e movem esperan\u00e7as e desesperos. \nEsperan\u00e7as que mais que sete anos, toda a vida dedicam por imposs\u00edvel Raquel: espectro que as vivifica e as definha. \nEsperan\u00e7as cultivadas por espectros cujos estercos e acres \u00e1guas artificiais s\u00e3o para que n\u00e3o pere\u00e7am, mas nunca alcancem. \nEsperan\u00e7as debulhadas em perd\u00f5es, amores e \u00f3dios que se refazem de suas cinzas, para novamente amar, odiar e perdoar. \nEsperan\u00e7as feito pedras de ros\u00e1rio colhidas a cada gra\u00e7a: o apaixonado olhar amado; os inesperados agrados; a incondicional dedica\u00e7\u00e3o; a t\u00e1cita e silente presen\u00e7a; a devotada ternura; a despida toler\u00e2ncia. \nE os espectros das desesperan\u00e7as feitas desesperos. \nO desespero do desamor. O desespero da alucinante solid\u00e3o. O desespero da incompreens\u00e3o. O desespero do medo. O desespero do fim. O desespero de um fatal n\u00e3o ao que sempre fora sim. O desespero p\u00e2nico da suspeita de que Deus n\u00e3o passe de um ardiloso e perfeito espectro.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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