{"id":34,"date":"2005-03-04T14:57:52","date_gmt":"2005-03-04T14:57:52","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=34"},"modified":"2016-09-23T18:30:02","modified_gmt":"2016-09-23T18:30:02","slug":"vacilao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/2005\/03\/04\/vacilao\/","title":{"rendered":"Vacil\u00e3o"},"content":{"rendered":"

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Data <\/span>04\/mar\/2005<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Vira-se mais de uma vez explodir. Um enfarto. Um derrame. Tantas foram as ang\u00fastias. A dor de m\u00e3e\/av\u00f3, cordata e impotente. Al\u00e9m de mulher, as for\u00e7as debilitadas por cr\u00f4nicas doen\u00e7as instauradas pela velhice.
\nPobre filha. Por que fora capaz de submeter-se a uma condi\u00e7\u00e3o danosa assim. Inf\u00e2ncia t\u00e3o feliz. Que ainda desfrutara dos encantos das brincadeiras e cantigas de roda. Na escola. Nas esquinas com as meninas. As fam\u00edlias na cal\u00e7ada curtindo a noite calorenta. Gozando o luzeiro das estrelas. O remanso da lua m\u00ednima, das luas interm\u00e9dias, da lua m\u00e1xima.
\nDormia seu sono santo. Com o acalanto dos beijos e as recomenda\u00e7\u00f5es aos anjos. Ia assim rompendo, etapa por etapa, a forma\u00e7\u00e3o de donzela zelosa de seus atributos e dotada dos predicados apropriados a prenda com pouco pronta aos cortejos, aos insinuados desejos. Prenda a ser digna de conquista. Exposta e resguardada como um bem a se possuir, tendo-se em conta um conjunto de valores certific\u00e1veis.
\nFilha de ber\u00e7o. A mais completa express\u00e3o ent\u00e3o em moda com que se qualificava uma formosa e recatada mulher. Orgulho de pais presentes durante toda a trajet\u00f3ria daquela rosa ou magn\u00f3lia, desde a fralda \u00e0 saia de roda. Cuidados tantos t\u00e3o poucos para o fim destinado: o esplendor em sua forma vigorosa disposta ao seguimento da vida.
\nDurante, feito toda m\u00e3e, fora pretendendo algures para uma filha assim esmerada. Sonhava-lhe passarelas. Que n\u00e3o lhe fosse o mundo o das cinderelas, todavia bem-aventurosa na sua por\u00e7\u00e3o maior, que faria por t\u00ea-la merecida: colhe, quem planta.
\nElucubra\u00e7\u00f5es de m\u00e3e prestimosa estabelecem horizontes povoados de benfazeja vida. Cujo dom nada inveja situa\u00e7\u00f5es nirv\u00e2nicas. N\u00e3o que m\u00e3os beijadas fomentem tais virtualidades. Entretanto, que n\u00e3o lhe pesasse demais o fardo fatal da exist\u00eancia.
\nQual. Pouco \u00e9 ainda o m\u00e1ximo empenhado pela consecu\u00e7\u00e3o de tais benesses. Feita, inteiri\u00e7a de vida, \u00e0 flor cabe a decis\u00e3o de suas negativas, relut\u00e2ncias e entregas. E pode dar-se tamb\u00e9m que seu dom n\u00e3o considere tamanha tributa\u00e7\u00e3o ber\u00e7\u00e1ria empreendida, para que o ide\u00e1rio de m\u00e3e, que se demonstrou, n\u00e3o passasse de um imagin\u00e1rio subsumido.
\nQual. O arrocho forjado pelos apelos da insens\u00edvel condi\u00e7\u00e3o humana talvez a tenha induzido a conduzir-se de modo precipitado. E foi montando em quantos cavalos passassem, atormentada por chegar ao porto seguro do bom p\u00e3o e melhor vinho da vida garantidos.
\nAterrissou nessa corpora\u00e7\u00e3o cuja hist\u00f3ria vai crivada de hero\u00edsmos pouco percebidos e trucul\u00eancias muito vistas. Assentou pra\u00e7a. No rold\u00e3o de profiss\u00e3o investida de conflitos e aflitos encontrou tempo de apaixonar-se por um mano. Logo, entre atos e be\u00f3s casaram-se.
\nEuforia esfriada, a intoler\u00e2ncia assumiu a trucul\u00eancia e os espancamentos externos estenderam-se para dentro do lar. Anos, d\u00e9cada a fio o p\u00f3, o batom, a maquilagem acobertando os estragos. A mulher resistia. Havia os filhos. O afeto pelo pai.
\nTodavia, logo a bruteza passou a desconsider\u00e1-los. E o espancamento estendeu-se a eles. Que manifestavam defesa \u00e0 m\u00e3e. O p\u00e2nico tomou-as. Ficaram meninos perturbados. Pe\u00e7a nova ao sofrimento geral.
\nAnos, anos, d\u00e9cada indo assim. A m\u00e3e\/av\u00f3 no seu padecimento, debaixo de s\u00e9rias amea\u00e7as, ante a desgra\u00e7a desabada sobre filha e netos. Tamb\u00e9m a ela o terror continha. Havia a senten\u00e7a de consuma\u00e7\u00e3o da desgra\u00e7a, caso buscasse abrir o fato com qualquer. Tanto ela quanto filha e netos.
\nNunca havia presenciado os atos. At\u00e9 aquele dia de imprevista ida \u00e0 casa deles. Parecia um pandem\u00f4nio. S\u00fabito, deu-se consigo entremeando-se entre o carrasco e os espancados. E pela \u00fanica vez levou um baita soco no rosto. Pois caiu exatamente ao lado do rev\u00f3lver dele pousado na mesinha de centro.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Data 04\/mar\/2005 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Vira-se mais de uma vez explodir. Um enfarto. Um derrame. Tantas foram as ang\u00fastias. A dor de m\u00e3e\/av\u00f3, cordata e impotente. Al\u00e9m de mulher, as for\u00e7as debilitadas por cr\u00f4nicas doen\u00e7as instauradas pela velhice. Pobre filha. Por que fora capaz de submeter-se a uma condi\u00e7\u00e3o danosa assim. Inf\u00e2ncia t\u00e3o feliz. 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