Data <\/span>12\/nov\/2004<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0H\u00e1 anos assim vivia ali. E bem garantindo suas economias. Esteio dos seus, aos quais por obriga\u00e7\u00e3o e amor servia. N\u00e3o merecera da parte de ningu\u00e9m obje\u00e7\u00e3o, admoesta\u00e7\u00e3o que fosse por isso. Riscos \u00e9 pr\u00f3prio de quem est\u00e1 vivo. Viver \u00e9 muito perigoso, filosofou acertadamente Riobaldo. E ad\u00e1gio popular, muito antes, j\u00e1 havia estatu\u00eddo que quem n\u00e3o arrisca, n\u00e3o petisca. \nFora uma op\u00e7\u00e3o. A muitos, disparatada. Ningu\u00e9m p\u00f4de entender, durante um bom tempo, como um cara com tal forma\u00e7\u00e3o decidira por uma vida daquela. Dif\u00edcil compreender. \nDesfeitas as previs\u00edveis desconfian\u00e7as: fuga por motivos estereotipados \u2013 crime, roubo, subvers\u00e3o –, vieram as inventivas, algumas tendendo a invectivas. Mas o tempo, diz outro ad\u00e1gio, \u00e9 o melhor rem\u00e9dio. E ele testemunhou ao lugar que as hip\u00f3teses e invectivas estavam desmentidas. \nTratava-se mesmo, para manter uma justificativa conformadora \u00e0 opini\u00e3o p\u00fablica, de um sujeito opini\u00e1tico. Decidira por aquele tipo de vida. Era esquisito. Todavia, tudo claramente consabido, o lugarejo \u00e9 que, na verdade, mais ganhara. Pois passara a ter um privil\u00e9gio. Um m\u00e9dico somente ali para eles. Vivendo do pouco que aquela pobreza quase absoluta podia lhe retribuir. Um m\u00e9dico dedicad\u00edssimo. Pachorrentamente atencioso. A mesma e vis\u00edvel conduta profissional com um pobret\u00e3o era dispensada a um remediado ou, poucos, mais abastado. Ousado em algumas ocasi\u00f5es. Prudente e determinado noutras. Casos complicados, logo solicitava \u00e0 prefeitura a remo\u00e7\u00e3o para a cidade grande, lugar de recursos. Um m\u00e9dico apaixonado. A medicina como a meta m\u00e1xima de sua raz\u00e3o vida. Preventivo: cheio de orienta\u00e7\u00f5es \u2013 n\u00e3o pode; evite; modere; use \u00e0 vontade. Curativo: prescri\u00e7\u00f5es, acompanhamentos, tratamentos, encaminhamentos. Estudioso: era not\u00f3rio que comprava muitos livros, que ia a congressos. \nQuando a ditadura militar apodreceu por completo e se despencou, e as elei\u00e7\u00f5es aconteceram, correu que tudo aquilo era por uma candidatura imbat\u00edvel a prefeito. Vieram as elei\u00e7\u00f5es. N\u00e3o se candidatou. N\u00e3o apoiou candidato algum. Perguntado, dizia ser necess\u00e1rio eleger a justi\u00e7a; a garantia de liberdade, de direitos e obriga\u00e7\u00f5es iguais. Alijar a corrup\u00e7\u00e3o, o patriarcalismo, o nepotismo, o favoritismo, o populismo; combater a viol\u00eancia; difundir a solidariedade, a garantia de escolaridade a todos. Falava assim, quando perguntado em seu modesto escrit\u00f3rio. \nNos fins de semana, isolava-se em sua casa, constru\u00edda \u00e0 beira do rio. Dali, avistava o p\u00f4r-do-sol por tr\u00e1s das ilhas que o imenso rio continha. O espraiar-se da lua no gigantesco espelho d`\u00e1gua. \u00c0quelas ilhas tamb\u00e9m assistia apaixonadamente. Prescrevia formas de organiza\u00e7\u00e3o: o uso da fossa s\u00e9ptica; o tratamento da \u00e1gua; a conviv\u00eancia com os animais dom\u00e9sticos: a n\u00e3o-polui\u00e7\u00e3o do rio. \nQuando a sua secret\u00e1ria chegou e o encontrou emborcado sobre sua mesa de trabalho, varado de balas e o sangue escorrido j\u00e1 escurecendo, foi uma estupefa\u00e7\u00e3o geral. \nDurante o vel\u00f3rio e no enterro: multid\u00e3o; consterna\u00e7\u00e3o total; choros convulsivos. \nDepois, ficou a especula\u00e7\u00e3o, a investiga\u00e7\u00e3o e a orfandade estampada em milhares de faces.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Expurgo Data 12\/nov\/2004 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0H\u00e1 anos assim vivia ali. E bem garantindo suas economias. Esteio dos seus, aos quais por obriga\u00e7\u00e3o e amor servia. N\u00e3o merecera da parte de ningu\u00e9m obje\u00e7\u00e3o, admoesta\u00e7\u00e3o que fosse por isso. Riscos \u00e9 pr\u00f3prio de quem est\u00e1 vivo. Viver \u00e9 muito perigoso, filosofou acertadamente Riobaldo. E ad\u00e1gio popular, muito antes, j\u00e1 […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[17],"tags":[101],"yoast_head":"\n