{"id":568,"date":"1998-11-28T12:22:14","date_gmt":"1998-11-28T12:22:14","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=568"},"modified":"2016-09-24T12:23:44","modified_gmt":"2016-09-24T12:23:44","slug":"desaparecendo","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/poetagem.com.br\/1998\/11\/28\/desaparecendo\/","title":{"rendered":"Desaparecendo"},"content":{"rendered":"\n\n\n\n
\n
Desaparecendo<\/span><\/b><\/span><\/div>\n<\/td>\n<\/tr>\n
Data 28\/nov\/1998<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

O diagn\u00f3stico: havia que extra\u00ed-lo. Seu estado comprometia a estabilidade dos demais. O tempo de ir tenteando se esgotara. J\u00e1 se metamorfosera em inimigo. Como um morto querido em decomposi\u00e7\u00e3o. O odont\u00f3logo enalteceu a excelente qualidade atual da pr\u00f3tese .Ele ficou com o dente arrancado cravado na cabe\u00e7a. Do\u00eda-lhe tanto n\u00e3o t\u00ea-lo mais. A l\u00edngua a todo instante a acusar aus\u00eancia dele.<\/span><\/p>\n

Na verdade, a dor n\u00e3o era de dente. J\u00e1 havia se acostumado com isso. Perd\u00ea-lo-ia um dia. H\u00e1 alguns anos a previs\u00e3o se fizera. Tinha consci\u00eancia da fatalidade contra a qual tudo seria in\u00fatil. Todavia o que quase o atordoava era uma id\u00e9ia que n\u00e3o lhe sa\u00eda.<\/span><\/p>\n

A perda do dente avivava uma fatalidade maior. Com ele se ia a pr\u00f3pria vida. Por que o organismo se dera ao trabalho de expelir aquele dente? N\u00e3o se tratava de um corpo estranho. Dispunha de uma parte sua. E se um organismo se automutila, suicida-se. Ainda que o fa\u00e7a para distender, como pode, a vida. O todo j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 o mesmo. O que se tem \u00e9 um sopro de si. Um lembran\u00e7a mutilada do que fora. O tempo desdobra o homem em muitos outros. Ao fim, nada somos do primeiro, tampouco do do meio. Na queda de um dente, ou na sua extra\u00e7\u00e3o obrigat\u00f3ria, h\u00e1 um alarme da progress\u00e3o degenerativa de uma vida desde a sua origem.<\/span><\/p>\n

Veio-lhe o tempo do grupo escolar. Cidadezinha pacata. Pacata e pobre. Vivia das cer\u00e2micas. Mas a escola tinha dentista. Terror deles. Ao dentista, preferia-se qualquer castigo. O motorzinho zinindo… E a aguda dor de p\u00f4r l\u00e1grimas nos olhos. Quase todo o trabalho era sem anest\u00e9sico. Tinha menino que sa\u00eda da cadeira aos berros.<\/span><\/p>\n

Uma c\u00e1rie de colo avan\u00e7ada condenara-lhe o molar esquerdo. O dente era uma panela. Tudo ali se alojava. Foi a sua primeira extra\u00e7\u00e3o. Primeira e \u00fanica at\u00e9 ent\u00e3o. Agora, d\u00e9cada ap\u00f3s, sacrificava o outro. A homogeneidade, com aus\u00eancia do dois. Uma harmoniza\u00e7\u00e3o pela falta.<\/span><\/p>\n

Dois dentes a menos na boca. Come\u00e7ara o per\u00edodo de perdas? As rugas andavam vis\u00edveis pela face. As flacidezes. Certos achaques. Estremeceu. Caminhava deliberadamente para o nada. N\u00e3o tinha at\u00e9 ent\u00e3o atinado com isso. Essa perda do outro molar trouxera-lhe o aviso.<\/span><\/p>\n

Quantos j\u00e1 fora? V\u00e1rios. Certo, todos demandaram para ele. Mas aqueloutros, em si mesmos, n\u00e3o foram ele. E a seu tempo desapareceram. O retrato da carteira de identidade tirada quando ainda fazia o Tiro de Guerra \u00e9 testemunha intang\u00edvel. Altivo atirador. Tra\u00e7os m\u00e1sculos. Linhas indefect\u00edveis. Claro, j\u00e1 antes dele, por ele, outros dois, pelo menos, passaram, se foram. Depois, ele, que ficara sendo apenas aquele retrato, foi-se.<\/span><\/p>\n

H\u00e1 agora o que perdeu o segundo molar, que tem rugas denunciadas; que deixa entrever celulites; que se pega em fadigas. Esse \u00e9. Mas vai chegar o seu tempo de tamb\u00e9m n\u00e3o mais ser.<\/span><\/p>\n

E, como os outros n\u00e3o sabiam, n\u00e3o sabe se ainda outro haver\u00e1, antes que se d\u00ea a completitude.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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