{"id":17,"date":"2005-02-04T14:23:05","date_gmt":"2005-02-04T14:23:05","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=17"},"modified":"2016-09-23T18:31:16","modified_gmt":"2016-09-23T18:31:16","slug":"lagarticidio","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2005\/02\/04\/lagarticidio\/","title":{"rendered":"Lagartic\u00eddio"},"content":{"rendered":"\n\n\n
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Data <\/span>04\/fev\/2005<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Assaltou-lhe de s\u00fabito o mundo de destro\u00e7os reiterados \u00e0 satura\u00e7\u00e3o pela imprensa. Viera-lhe, ali, ante aquele min\u00fasculo epis\u00f3dio, imagens das mais recentes cat\u00e1strofes cujas conseq\u00fc\u00eancias foram fatalmente as matan\u00e7as colossais.
\nPassou-lhe recente trag\u00e9dia desabada sobre os povos asi\u00e1ticos. Aquele descomunal gigante, muito mais que Adamastor, enfurecido, soprando \u00e1gua sobre tudo, contra todos, sobre todos. Mal foi poss\u00edvel o salve-se quem puder.
\nMar amansado por sua pr\u00f3pria exaust\u00e3o. Bicho resguardando-se em sua calmaria, foi que se p\u00f4de, ent\u00e3o, dar come\u00e7o ao dimensionamento do estrago. Devassa completa. E o n\u00famero de mortos, dia a dia, semana a semana, a cada achado, aumentando de forma desconcertante. Mais de centena de milhares de vidas humanas (n\u00e3o contadas as outras).
\nOs mortos amontoados, esparramados em meio aos destro\u00e7os. Eles pr\u00f3prios destro\u00e7ados. Depois, corpos empacotados postos em rasas valas enfileirados. Valas abertas com escavadeiras pr\u00f3prias a abrirem buracos destinados a assegurarem sanidade \u00e0 vida. E valas e fileiras de corpos embrulhados. E valas e fileiras de corpos embrulhados.
\nEsva\u00eddo o tsunami, o processo mental metaf\u00f3rico trouxe-lhe o genoc\u00eddio no Iraque. As centenas de milhares de mortes praticadas de toda ordem. Os gigantes destro\u00e7adores s\u00e3o outros. S\u00e3o os monstrengos arrasadores. S\u00e3o os homens-bomba. S\u00e3o as degolas gravadas para exibi\u00e7\u00e3o.
\nAh! Iraque, Palestina, Israel, Egito, Iran, Estados Unidos da Am\u00e9rica do Norte! Por qu\u00ea? Por qu\u00ea!? E at\u00e9 quando?! E as respostas que lhe d\u00e3o pelos jornais, pelas revistas, pelas entrevistas, pelas declara\u00e7\u00f5es n\u00e3o lhe respondem.
\nE em seguida o acomete os campos de concentra\u00e7\u00e3o anti-semitas. Homens. Mulheres. Velhos. Crian\u00e7as. Centenas de milhares. Aprisionados. Amontoados em toscos, rudes e f\u00e9tidos sal\u00f5es esperando a vez de ir para os fornos cremadores. O horror ritleriano.
\nE desse conglomerado de judeus aprisionados para os fornos de Auschwitz \u00e9 catapultado \u00e0 Guerra de Canudos. O genoc\u00eddio em Monte Santo. O amontoado de mulheres com seus filhinhos, cuja foto hist\u00f3rica ficou famosamente denominada \u201cdas prisioneiras\u201d. Foram remetidas para as pris\u00f5es de Salvador, enquanto os seus homens eram friamente fuzilados.
\nE de Canudos para Beslan. A escola de Beslan. As crian\u00e7as de Beslan fuziladas dentro de sua escola! Fuziladas porque os seus assassinos adultos n\u00e3o se entenderam. E por isso mataram crian\u00e7as, das quais se diz serem sem ju\u00edzo. Os adultos, que t\u00eam ju\u00edzo, mataram crian\u00e7as!
\nE de Beslan, viu-se arremetido \u00e0 chacina do Carandiru. Os corpos mortos. Uma centena deles. Depositados em urna de c\u00e2mara fria a cad\u00e1veres estampados pela m\u00eddia. Da\u00ed, \u00e0 chacina da Candel\u00e1ria. Crian\u00e7as de rua assassinadas ali mesmo, onde dormiam, ao relento do p\u00e1tio da igreja da Candel\u00e1ria.
\nO epis\u00f3dio min\u00fasculo que revivificara-lhe tais trag\u00e9dias: descobrira dois substanciosos ninhos (nunca os vira antes em sua vida) engenhosamente constru\u00eddos entrela\u00e7ando as folhas de uma palma de seu decano coqueiro. Inv\u00f3lucro em forma de tubo resistente, seguramente protetor. E das demais folhas do seu pr\u00f3digo e generoso coqueiro se alimentam.
\nA solu\u00e7\u00e3o que relutara em admitir era extirpar os ninhos e matar as lagartas. Os ninhos fervilhavam de lagartas e filhotes. Decidira queim\u00e1-los. Usara jornal. Muito e muito jornal. Fogueira de jornal. E elas, \u00e0s centenas, se contorciam ag\u00f4nicas.
\nUm espet\u00e1culo deprimente. Sentia-se um criminoso. Um algoz alem\u00e3o jogando bandos de judeus nos fornos de Auschwitz.<\/span><\/p>\n

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