{"id":181,"date":"2006-04-25T23:02:22","date_gmt":"2006-04-25T23:02:22","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=181"},"modified":"2016-09-23T23:03:33","modified_gmt":"2016-09-23T23:03:33","slug":"181","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2006\/04\/25\/181\/","title":{"rendered":"Ela foi dessas mulheres"},"content":{"rendered":"
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Data 12\/jan\/2006<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
O inerme corpo dela, de tudo j\u00e1 distante. Agora todo de si mesma. Im\u00f3vel, naquele estado de coisa, de rocha, de concreto, de terra. Foi nesse instante, ante a consuma\u00e7\u00e3o do impens\u00e1vel, que me dei conta da precisa grandeza de sua estada. Que sempre soubera do quanto ela fazia pelos seus, pelos outros, cert\u00edssimo era. Assim, precisamente, at\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o sabia, como agora soubera, o quanto tamb\u00e9m para mim, por mim mais talvez fizera. \nModerna mulher. Pragm\u00e1tica, intuitiva e vocacionada educadora. E comprometida profissional da Educa\u00e7\u00e3o. Assim fora numa atua\u00e7\u00e3o de inata servidora sem nenhum tra\u00e7o de servid\u00e3o. E tamb\u00e9m como os tecidos, sabiamente bordava essa tessitura mais complexa que entret\u00e9m vidas. E nesta, como naqueles, avultava a bordadeira nada lim\u00edtrofe, que sabia ir al\u00e9m de um ponto fixo, agindo com versatilidade e desprendimento. \nSob seus cuidados, porque n\u00e3o os dispensava, v\u00e1rios e distintos estados. O de senhora dona de casa, apascentando marido e filhos. O dos correlatos familiares. Todos com determina\u00e7\u00e3o e suspic\u00e1cia. \nPerformance capaz de adequar-se. Se amava as festas, onde conjugadamente versam o espontane\u00edsmo, a polidez, a discri\u00e7\u00e3o, o expansionismo, tanto mais devotava-se ao fazer. As v\u00e1rias atua\u00e7\u00f5es de que decorria a constru\u00e7\u00e3o do benef\u00edcio. Tanto mais ao outro, que, especificamente na sua \u00e1rea de atua\u00e7\u00e3o, s\u00e3o os outros. Aos sujeitos em crescimento, a cuja forma\u00e7\u00e3o cidad\u00e3 dedicava o seu melhor. \nH\u00e1 homens e mulheres aos quais a in\u00e9rcia, mais que inimiga do corpo, o \u00e9 do esp\u00edrito. A imobilidade, quando lhes parece estar indo al\u00e9m do necess\u00e1rio repouso, impacienta-os, incomoda-os. S\u00e3o talvez acometidos de um indefin\u00edvel sentimento de culpa. Como se aquilo esteja j\u00e1 caracterizando um estado que, verdadeiramente, abominam: a pregui\u00e7a. \nSeguramente, ela compunha o quadro de mulheres dessas. Nas quais ainda perdura est\u00e1vel o gene daquelas que est\u00e3o para laborar, no sentido estrito que o \u00e9timo a este verbete confere. Parece carregarem atavicamente em sua estrutura psicogen\u00e9tica a conforma\u00e7\u00e3o sociocultural de destinadas \u00e0 condi\u00e7\u00e3o prec\u00edpua de servir. Seja \u00e0 extraordin\u00e1ria capacidade de agirem como matriarcais donas de seu lar. Seja como inigual\u00e1veis matriarcas requisitadas pelos ramos familiares, que a elas recorrem como o mais dotado recurso humano para a resolu\u00e7\u00e3o das constantes quest\u00f5es e conflitos. \nSeguramente, ela compunha o quadro de mulheres dessas. Servir plenamente. Em quaisquer circunst\u00e2ncias. Prontas a se dedicarem pelo outro; pelos outros. Dedicadas a vida toda a essa causa: os outros, os quais, quaisquer, v\u00eaem como seus. \nE assim o s\u00e3o admir\u00e1veis mulheres modernas. De suas antepassadas decerto s\u00e3o profundamente admiradoras. Decerto t\u00eam-nas como mulheres sem as quais n\u00e3o haveria o hoje. Decerto reverenciam-nas como a matriz, a fonte da vida dada \u00e0s vidas outras, suas pr\u00f3ximas e semelhantes. Decerto, por isso, as amam incondicionalmente. \nTodavia, conquanto assim sejam, j\u00e1 n\u00e3o poderiam mais a elas se igualarem, nem serem iguais a elas. E isso, sobretudo, para continuarem a labora\u00e7\u00e3o pela pr\u00f3pria causa delas: a vida pela vida dos outros, seu pr\u00f3ximo, seu semelhante. \nAgora, para que essa mesma causa se preservasse, j\u00e1 n\u00e3o poderiam continuar pelas mesmas vias. Da\u00ed que, distintamente daquelas, refutaram, com iguais labutas, sem nunca deixarem de servir, a submiss\u00e3o. Sem nunca deixarem de ser muitas, sendo uma, recha\u00e7aram a subservi\u00eancia. Servidoras, sim, por\u00e9m n\u00e3o mais servi\u00e7ais. Servir, sim, por\u00e9m n\u00e3o mais servis. Ser para os outros, sim, por\u00e9m sem servid\u00e3o. Verdadeiramente, senhoras perante senhores. Donas perante donos. Profissionais perante profissionais. N\u00e3o f\u00eameas perante machos, mas, sim, verdadeiramente, mulheres perante homens. \nSeguramente, ela compunha o quadro de mulheres dessas. Seu inesperado, abrupto, inimagin\u00e1vel desaparecimento, porque precoc\u00edssimo, causou profundo abalo em todos: os outros, esses que fomos sempre a sua causa.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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