{"id":194,"date":"2006-01-12T23:12:23","date_gmt":"2006-01-12T23:12:23","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=194"},"modified":"2016-09-23T23:28:43","modified_gmt":"2016-09-23T23:28:43","slug":"194","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2006\/01\/12\/194\/","title":{"rendered":"Rala Bola"},"content":{"rendered":"<table border=\"0\" width=\"300\" cellspacing=\"0\" cellpadding=\"0\">\n<tbody>\n<tr>\n<td><span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">Data 12\/jan\/2006<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n<p class=\"style1\">1958. Era tempo de Copa. Copa em que o Brasil pela primeira vez (e da\u00ed para todo o sempre at\u00e9 agora) chamaria a aten\u00e7\u00e3o do mundo para si. Conquistava o campeonato, esconjurando assim a chaga viva da trag\u00e9dia do Maracan\u00e3 de 1950, que lhe impusera o Uruguai.<br \/>\nCome\u00e7ava a surgir o pa\u00eds do futebol. Que se sobreporia a todos os outros. Futebol efervecente. Que brotava pelas v\u00e1rzeas, nos campinhos de terra batida e traves retangulares. Um dos raros casos em que a gl\u00f3ria n\u00e3o surge do meio afortunado, da confort\u00e1vel riqueza. O craque vingava do infort\u00fanio, do desconforto da pobreza.<br \/>\nPois foi ent\u00e3o que os arianos suecos assistiram e deram a ver e a ouvir ao mundo ao Nascimento do futebol maior. Que vinha de um pa\u00eds perif\u00e9rico, de descend\u00eancia bugra, negra e mal\u00e1ria.<br \/>\nEra um futebol carnavalizado. Jogadores passistas. Os que compunham a comiss\u00e3o de frente eram verdadeiros mestres-salas. Todos dividiam, com eleg\u00e2ncia e maestria, sua porta-bandeira ao ritmo de um bailado grandemente contr\u00e1rio ao c\u00e2none estatu\u00eddo pela sobranceria inglesa. Futebol moleque Pel\u00e9. Futebol de um incerto Man\u00e9 ziguezagueando l\u00e1 na ponta direita, pondo os gringos na roda. Vis\u00edvel futebol deboche. Quebrando o esquematismo de um futebol burocr\u00e1tico e emparedado: o futebol de botina.<br \/>\nE l\u00e1 vinha Garrincha com seu andar desengon\u00e7ado, com suas jingas ludibriantes, apavorando suecos, russos, alem\u00e3es etc. visivelmente enfurecidos e humilhados. Aquele Man\u00e9 ningu\u00e9m de l\u00e1 do mato virgem, mancomunado macunaimamente com aquele negrinho endiabradamente atrevido e debochado como o fazem os tais sacis de l\u00e1.<br \/>\nE Pel\u00e9 e Man\u00e9 deitaram e rolaram sob o un\u00edssono e estrondoso troar do, desde ent\u00e3o universal, ol\u00e9, ol\u00e9! Foi a consagra\u00e7\u00e3o e a assinatura do mundo curvando-se \u00e0 superioridade inequ\u00edvoca de um futebol vivo, imprevisto, singularmente inimit\u00e1vel, calcado na compulsiva e peculiar inventividade de infindo improviso.<br \/>\nOito anos depois, superados alguns percal\u00e7os, este futebol que j\u00e1 ent\u00e3o assumira os caracteres de arte e magia, como \u00e9 pr\u00f3prio da grande arte \u2013 intui\u00e7\u00e3o, inven\u00e7\u00e3o e t\u00e9cnica \u2013 fora ao M\u00e9xico na persecu\u00e7\u00e3o da apoteose: a glorifica\u00e7\u00e3o.<br \/>\nTodavia, para decep\u00e7\u00e3o de muita gente, este futebol chancelado por Pel\u00e9 e Man\u00e9 foi ficando europeizado. Foi ficando cada vez mais futebol burocr\u00e1tico. Futebol de resultado. E o futebol brasileiro foi ficando cada vez mais submetido aos esquemas t\u00e1ticos. Pel\u00e9s desapareceram. Man\u00e9 Garrincha tornou-se a Ursa-maior e virou saudade. Os ronaldos foram absorvidos pelo futebol eurodolarmente de resultado.<br \/>\nPor certo, a s\u00edndrome de 1982 desaguou nisso. O m\u00e1gico futebol brasileiro daquela vez novamente encantara. Todavia n\u00e3o vencera. E ent\u00e3o o mundo j\u00e1 vivia o lema de que somente convence, n\u00e3o importa como, quem vence. Vencer e vencer.<br \/>\nE o futebol brasileiro foi ficando europeu. A tal ponto que hoje, como se sabe, os jogadores do time brasileiro s\u00e3o todos de time europeu. S\u00e3o oriundos do Brasil, mas jogam na Europa. E foi exatamente isso o que se viu ter\u00e7a-feira passada. N\u00e3o era o Brasil jogando. Eram dois times europeus. Um futebol mon\u00f3tono, for\u00e7a f\u00edsica contra for\u00e7a f\u00edsica. Nenhuma jogada brasileira. Cautela contra cautela. Enfim, o burocr\u00e1tico milion\u00e1rio futebol a que pouco importa convencer. Importa vencer. Importa o resultado.<br \/>\nDisseram isso, por certo, a Ronaldinho Ga\u00facho e a Robinho, os que, quando podem, demonstram conter o gene Pel\u00e9\/Man\u00e9. Que os malabarismos, os dribles desconcertantes, os improvisos ficassem apenas para os treinos-cena midi\u00e1ticos.<br \/>\nParece que os gringos, que sempre t\u00eam deste pa\u00eds tudo a\u00e7ambarcado, est\u00e3o (por \u00faltimo?) apossando-se do futebol. N\u00e3o, todavia, para dele se apoderar e etiquet\u00e1-lo como <em>made in<\/em>, mas para descaracteriz\u00e1-lo. \u00c0 medida que o vai reabsorvendo, vai tornando-o\u00a0 nova e inteiramente anglo-sax\u00e3o.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"<p>Data 12\/jan\/2006 1958. Era tempo de Copa. Copa em que o Brasil pela primeira vez (e da\u00ed para todo o sempre at\u00e9 agora) chamaria a aten\u00e7\u00e3o do mundo para si. Conquistava o campeonato, esconjurando assim a chaga viva da trag\u00e9dia do Maracan\u00e3 de 1950, que lhe impusera o Uruguai. 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