{"id":281,"date":"2004-03-12T00:14:37","date_gmt":"2004-03-12T00:14:37","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=281"},"modified":"2016-09-24T00:15:18","modified_gmt":"2016-09-24T00:15:18","slug":"deslumbramento","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2004\/03\/12\/deslumbramento\/","title":{"rendered":"Deslumbramento"},"content":{"rendered":"\n\n\n
Data 12\/mar\u00e7o\/2004<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Da outra cal\u00e7ada, ela mal percebera, ele sa\u00edra. Atravessou a rua, parando pouco adiante dela na cal\u00e7ada em que ia. E, ao aproximar-se, viu-se surpreendida por aquele epis\u00f3dio espantoso. Ficou como que petrificada. Boquiaberta. Ficou, certamente (pensa agora com muito pudor), muito mais feia do que j\u00e1 era. O que n\u00e3o fora capaz, no entanto, de demov\u00ea-lo do gesto. Ao contr\u00e1rio, embora figurasse uma timidez vis\u00edvel, n\u00e3o se retraiu. Ela, passos retesados, mas cont\u00ednuos, foi-se desviando dele, ainda que com os olhos nele completamente pregados, ou, melhor talvez, naquele todo gestual que ele representava (mas se recorda, como se fosse agora, dos arrebatadores azuis dos seus olhos)
\nDeu um passo \u00e0 frente sem agressividade e ent\u00e3o cumprimentou-a e lhe disse, em linguagem de homem, o que um menino certamente ouvira, guardara, por muito gostar, e dela se valera naquela ocasi\u00e3o que por certo lhe parecera adequada.
\nA surpresa redobrara. E desta vez sim imobilizada, ouvira-o nitidamente pronunciar o seu nome (ela nunca o vira, nem o soubera). E em seguida formular (hoje n\u00e3o saberia precisar se j\u00e1 naquele tempo tamb\u00e9m, o que parecia muito prov\u00e1vel, pois, como o gesto ofertante que seguramente o era, deveria muito t\u00ea-la ouvido) a estereobanalizada frase \u201cuma flor para uma flor\u201d. E depositar entre suas m\u00e3os desgovernadas pelo torpor do deslumbramento um n\u00e3o menos estereotipado bot\u00e3o de rosa. Isto depois de na rosa depositar um seu delicado e moroso beijo. E como arremate, um nada t\u00edmido perscrutante e devotado olhar verde-azul de eloq\u00fc\u00eancia maior que a da voz. Que, ali\u00e1s,\u00a0 era nada eloq\u00fcente, de t\u00e3o medrosamente fr\u00e1gil. Fr\u00e1gil em nada simulado. Fr\u00e1gil mesmo. Ousada fragilidade.
\nE deixando-a assim, muda, meio est\u00fardia, tornou \u00e0 cal\u00e7ada de que viera, indo sem que ela se encorajasse em ao menos olhar qual dire\u00e7\u00e3o tomara. A rosa entre as m\u00e3os. A mochila a tiracolo. Os cadernos e livros, no bra\u00e7o esquerdo, que sempre lhe foram t\u00e3o pesados, nem pareciam estar ali.
\nTornada a si, j\u00e1 um pouco recobrada e desprendida do assombro, a cabe\u00e7a retomando o governo, p\u00f4s-se a ir. Talvez tivesse j\u00e1 atrasada para a escola. Seria outro choque, se bem que de outra natureza, o fato de chegar na escola com atraso. Nunca lhe acontecera isso. \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Apressara-se. Chegara com a campainha soando.
\nFora muito inc\u00f4modo e nada f\u00e1cil explicar muitas vezes. Quase n\u00e3o criam na verdadeira hist\u00f3ria que sucintamente repetia. Todavia, mais que inc\u00f4modo era a completa absor\u00e7\u00e3o em que ficara durante todo o per\u00edodo. Imposs\u00edvel concentrar-se. Fora um sacrif\u00edcio. O fato, vivo, n\u00e3o a deixava. Findas as aulas, custosamente livrou-se das amigas. Queria-se s\u00f3 na temerosa esperan\u00e7a de que, s\u00fabito, de uma esquina ele reaparecesse. Naquela hora, mal o percebera. Os olhos logo a tomaram. Fiapos apenas de vastos cabelos t\u00e3o loiros quanto os dela. Mas n\u00e3o deixara de notar, todavia, que era sem sardas e magro. S\u00e9rio. Uma camiseta branca. Um short azul. Alpercatas tamb\u00e9m azuis.
\nTudo num \u00e1timo, naquele rel\u00e2mpago instant\u00e2neo em que beijando a rosa, pousou-a em suas m\u00e3os. Fitou-a, que baixou os olhos, tal a for\u00e7a daqueles azuis-esverdeados sobre ela. E ir-se embora sem lhe surgir, no final das aulas, de qualquer esquina. Nem no outro dia. Nem em dia nenhum. Desapareceu para sempre, como fora desaparecendo cada uma das p\u00e9talas para nunca mais.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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