{"id":294,"date":"2004-05-03T00:51:18","date_gmt":"2004-05-03T00:51:18","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=294"},"modified":"2016-09-24T00:52:08","modified_gmt":"2016-09-24T00:52:08","slug":"a-conquista-da-personagem","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2004\/05\/03\/a-conquista-da-personagem\/","title":{"rendered":"A conquista da personagem"},"content":{"rendered":"<table border=\"0\" width=\"300\" cellspacing=\"0\" cellpadding=\"0\">\n<tbody>\n<tr>\n<td><span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">Data 03\/maio\/2004<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n<p><span style=\"color: #000000;\"><br \/>\n<span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Rigorosamente publicava a cada cinco anos. O quinto livro j\u00e1 era aguardado com certo inc\u00f4modo, pois o s\u00e9timo ano entrara em meses e a obra n\u00e3o dava sinais de vida.<br \/>\nOs mais pr\u00f3ximos, acautelados, sempre achavam um jeito de tocar no assunto. Ele limitava-se a desconversar quase sempre emitindo a mesma afirma\u00e7\u00e3o, que, no entanto, parecia pouco convincente.<br \/>\nAlgumas hip\u00f3teses em meio ao discreto c\u00edrculo dos devotados \u00e0 literatura se disseminavam. Dizia-se que o fil\u00e3o de seu imagin\u00e1rio se esgotara para a literatura. Que perdera a musa inspiradora. Que, ao contr\u00e1rio, a paix\u00e3o era a obra que anulava a obra. Que decerto vivia a crise de quem chegou ao est\u00e1gio em que a vida a menos vigorava. Que o reduzido p\u00fablico \u00e0 sua obra tida como de leitura trabalhosa por fim o desanimara.<br \/>\nA todas nenhuma palavra. Nem de rebate, nem de dissuas\u00e3o. Limitava-se ao direito de sil\u00eancio e de livre arb\u00edtrio \u00e0 sua condi\u00e7\u00e3o de escritor. Em mat\u00e9ria de literatura a palavra do escritor \u00e9 sua obra. Ou a aus\u00eancia dela. Um escritor n\u00e3o se explica quanto ao seu ato criador.<br \/>\nN\u00e3o se deveria ver nessa atitude quaisquer sinais de arrog\u00e2ncia. Compreendia a ansiedade de seus poucos leitores, a postura especulativa da imprensa, os progn\u00f3sticos da cr\u00edtica desfavor\u00e1vel e a apreens\u00e3o da cr\u00edtica favor\u00e1vel; o temor dos que o apontara como dos maiores. Compreendia. Contudo, tinha a convic\u00e7\u00e3o de que assim, com as incertezas das probabilidades, seria mesmo muito melhor.<br \/>\nNenhuma justificativa conseguiria satisfazer de forma convincente. Elas iriam, isto sim, acirrar posicionamentos, insuflar discuss\u00f5es, exigir cada vez mais seu envolvimento em tais epis\u00f3dios.<br \/>\nN\u00e3o. Reservava-se o direito de sil\u00eancio. Optava pelo efeito de seu sil\u00eancio. Insistia: n\u00e3o era arrog\u00e2ncia, tampouco presun\u00e7\u00e3o, muito menos indiferen\u00e7a ou descompromisso.<br \/>\nN\u00e3o. N\u00e3o era nenhuma. Tratava-se, na verdade, de algo inconfess\u00e1vel, uma vez que se restringia \u00e0 sua integridade pessoal. Fragilidades s\u00e3o reservadas ao exerc\u00edcio de autocr\u00edtica, de auto-an\u00e1lise. N\u00e3o cabe, menos ainda a um escritor, exp\u00f4-las ao seu exterior.<br \/>\nO seu romance teria sim atendido ao tempo-padr\u00e3o que institu\u00edra publicamente. Aconteceu-lhe, por\u00e9m, algo perante o qual sempre se pusera c\u00e9tico, quando ouvia mais de um colega divulgar a perda do dom\u00ednio desta ou daquela personagem. Que a personagem \u00e9 que passava a exigir-lhe posturas e comportamentos.<br \/>\nSua protagonista. Tra\u00e7ara-lhe um destino. Esp\u00e9cie de atra\u00e7\u00e3o fatal ao protagonista. Corpo, alma e mente inigual\u00e1veis, irresist\u00edveis. Dotou-a de tais qualidades, habilidades, amabilidades, sutilezas, intelig\u00eancia, meiguice, beleza f\u00edsica aspergindo recatada sensualidade.<br \/>\nEnla\u00e7ar o protagonista. Cravar-lhe a seta de seu cupido. Com isso, amor cativo, lhe restabelecer a paix\u00e3o pela vida a que renunciara parecia de maneira perempt\u00f3ria e irrevog\u00e1vel. Redivivo, tomaria gosto pela dific\u00edlima miss\u00e3o, pr\u00f3pria a um Aquiles. Miss\u00e3o que ele apenas seria capaz, se o quisesse, de cumprir.<br \/>\nEnt\u00e3o, o imprevisto impasse (que publicamente confessado o poria em rid\u00edculo): apaixonara-se t\u00e3o perdidamente por sua protagonista a ponto de n\u00e3o conceber a id\u00e9ia de sequer admitir o seu envolvimento amoroso com o seu protagonista.<\/span><\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"<p>Data 03\/maio\/2004 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Rigorosamente publicava a cada cinco anos. 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