Data 07\/maio\/2004<\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
\u00a0 \u00a0 \u00a0\u00c9 certo que no mundo, na vida, nada \u00e9 un\u00edssono, un\u00e2nime. A vida \u00e9 bin\u00e1ria. Desde muito cedo aprendera. Ent\u00e3o, nada era definitivo. Viver \u00e9 cont\u00ednuo. Ser \u00e9 ir-se. \nMenino, fora aprendendo. A cor da pele, dos cabelos. Os seus e os de seus amigos. Cabelos negros e lisos; cabelos louros encrespados. Sobre pele clara, dita branca. Que, quando muito ao sol, fogueava feito rosa exposta em jardins. \nCabelos negros encaracolados. Sobre a massa encef\u00e1lica; sobre o rosto, quando homens em barba; sobre o p\u00fabis quando homens com sua acabada genit\u00e1lia. E negra pele como o carv\u00e3o de extinta brasa. Desta persistindo sua cor nos l\u00e1bios, nas gengivas da boca. \nE como a descobrir que a bin\u00e1ria condi\u00e7\u00e3o n\u00e3o conseguia unanimidade, tamb\u00e9m tinha entre seus amigos o branco-negro; o negro-branco. Os quais constavam do fich\u00e1rio escolar, da ficha dos registros dos times de campeonatos mirins de futebol como morenos. \nA ra\u00e7a Brasil, rompera o binarismo negro e branco. E fez-se a condi\u00e7\u00e3o tern\u00e1ria conseq\u00fcente: mulata, cafuza, cabocla. Desde de a\u00ed, dessa inf\u00e2ncia feita de extrovers\u00f5es, mas introvers\u00f5es acentuadas, de ficar horas enrustido consigo (Onde voc\u00ea estava, menino?! Voc\u00ea sumiu!) pensando os amigos, as amigas; pensando os homens; pensando a escola, as professoras; pensando o futebol, sua arrebatadora paix\u00e3o; pensando a vida, o mundo. \nDescobria, sim, que se a natureza se dera em aparente forma bin\u00e1ria de organiza\u00e7\u00e3o com seu ritmo sim-n\u00e3o; com sua aparente macrodualidade dia-noite, vida-morte, quente-frio, claro-escuro, amor-\u00f3dio, deserto-floresta. \nDescobria, sim, que todavia, por detr\u00e1s desta apar\u00eancia mantinha sua mulaticidade, sua cafuzice, seu caboclismo. Consigo carregava, entre o ver\u00e3o e o inverno, o outono; entre o inverno e o ver\u00e3o, a primavera; entre o dia e a noite, o crep\u00fasculo; entre a noite e o dia, a madrugada aurora; entre o macho e a f\u00eamea, o andr\u00f3gino; entre o homem e a mulher, o mis\u00f3gino. \nE descobria que a sociedade se encarregava de aprofundar, depurar, refinar o quebrado binarismo. A rota sua diversa da da natureza segue mult\u00edplice inst\u00e1vel, movida pelo pulso e impulso do ef\u00eamero. Que a binaridade, o dualismo n\u00e3o perde o p\u00e9, n\u00e3o se desenra\u00edza, se mant\u00e9m matriz, mas infindamente segue multifaceando-se. Parece ser a condi\u00e7\u00e3o humana que a sociedade a si estabelece para sustentar-se em vida at\u00e9 o fim que se faz por esp\u00e9cime como norma; por esp\u00e9cie em seus espasmos de paran\u00f3ia \u2013 um de seus diferenciadores da natureza inatamente s\u00f3bria. \nAssim, notara, que sua vida se conduzira com acentuada presen\u00e7a do binarismo branco e negro. Menino, convivera com um amigo com quem dividia o mesmo devotado amor \u00e0 bola. Nos campos de pelada, depois no time infanto-juvenil da cidade, fizeram dupla famosa. Remetiam-nos a Pel\u00e9-Coutinho. Apenas que eram um negro e o outro branco. E a conjuga\u00e7\u00e3o do campo projetava-se para outros estados sociais. Juntos no clube, no passeio p\u00fablico, na escola. E nisto tamb\u00e9m se diferenciavam: um, apaixonado pelos gibis, os livros; o outro mal conseguia suportar a escola, a leitura: rodar pi\u00e3o, empinar pipas, andar pelas ruas. \nMo\u00e7o, outra parceira negro e branco. Afinidade estabelecida no gin\u00e1sio, estendida ao col\u00e9gio. \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Depois dispersada pelas buscas diferentes de forma\u00e7\u00e3o adulta. Todavia, uma conviv\u00eancia intensa enquanto durara. J\u00e1 o negro (ambos pobres) se ressentia visivelmente da silenciosa discrimina\u00e7\u00e3o. Contra o que o branco supunha apoi\u00e1-lo, estimul\u00e1-lo e lade\u00e1-lo nos confrontos e afrontas. Nisso assentava-se a outra n\u00edtida diferen\u00e7a neles. Enquanto a pele falava alto em um, no outro alto falava o inconformismo ante a opul\u00eancia e a mis\u00e9ria, a boa-vida e fartura e o trabalho estafante e a escassez bruta. Perderam-se. No reencontro, a vida j\u00e1 havia dotado-os de grandes antagonismos, que mal conseguiram manter-se para a respeitosa amizade. \nE uma terceira. Branco e negro amigos feitos pela mesma ambi\u00e7\u00e3o de tornar a vida humana em democracia de verdade. Conviv\u00eancia pol\u00edtica. Partilharam campanhas eleitorais, dire\u00e7\u00e3o de entidades sociais. Depois, enfastiados, deixaram isso. Amigos arredios. Cada qual com sua vida e vez em quando se vendo. Diferenciava-os seus afazeres profissionais e situa\u00e7\u00f5es sociais. E a morte, mais tarde, sobrep\u00f4s a laje da separa\u00e7\u00e3o absoluta.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Data 07\/maio\/2004 \u00a0 \u00a0 \u00a0\u00c9 certo que no mundo, na vida, nada \u00e9 un\u00edssono, un\u00e2nime. A vida \u00e9 bin\u00e1ria. Desde muito cedo aprendera. Ent\u00e3o, nada era definitivo. Viver \u00e9 cont\u00ednuo. Ser \u00e9 ir-se. Menino, fora aprendendo. A cor da pele, dos cabelos. Os seus e os de seus amigos. Cabelos negros e lisos; cabelos louros […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[17],"tags":[77],"yoast_head":"\n
A bin\u00e1ria negra branca vida - POETAGEM<\/title>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\t\n\t\n\t\n