Data <\/span>20\/ago\/2004<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Coisas pr\u00f3prias de sujeito tomado por arrebatamento indescrit\u00edvel e irretorqu\u00edvel. Caso, por exemplo, de av\u00f3s ainda n\u00e3o mal das pernas, n\u00e3o-ranzinzas, de cabe\u00e7a sem grilos. \nCaso daquele av\u00f4. Houvera o neto. Primog\u00eanito. Recente her\u00f3i da fam\u00edlia. Havia os bisav\u00f3s tamb\u00e9m ainda comovidos com a vida cujas manifesta\u00e7\u00f5es gratuitas e espont\u00e2neas as sensibilizavam. Caso daquele bisneto. J\u00e1 n\u00e3o havia os bisav\u00f4s, que, conforme determina a natureza, v\u00e3o antes, salvo excepcionalidades, para o nunca mais, o definitivo desconhecido. \nA vinda de neto irradia estado de euforias e expectativas cujas ondas se propagam atingindo, de formas vari\u00e1vel que seja, todos os est\u00e1gios e estados familiares. \u00c9 um rebroto reoxigenador da \u00e1rvore geneal\u00f3gica com efeitos prestidigitadores. Em fam\u00edlia articulada, netobisnetos reinstitui, redireciona situa\u00e7\u00f5es de ser e de fazer. Ningu\u00e9m fica indiferente a eles. \nAos av\u00f3s, eles tornam-se os seus novos cuidados. S\u00e3o mais dos netos do que estes deles. Sim ao que quase sempre fora n\u00e3o. Pode o que raramente p\u00f4de. E aos netos eles, certamente, parecem ser a voz dissonante da dos pais. Incapazes de se opor a quaisquer intima\u00e7\u00f5es deles. Nem se diga, ent\u00e3o a um qualquer amuo, ou manha, um pedido m\u00ednimo. L\u00e1 v\u00e3o, av\u00f4 e ou av\u00f3, cumprir o gosto daquela sua nova ventura. Aos pais cabe coibir, a eles apenas conceder. \nAquele av\u00f4, a par desses procederes, quase sem o querer, assumira a condi\u00e7\u00e3o de contador de hist\u00f3ria. Certa feita, contara ao neto, para dissip\u00e1-lo das dores de uma contus\u00e3o na boca, conseq\u00fc\u00eancia de queda de cadeira girat\u00f3ria, na qual o peralta do moleque p\u00f4-se de p\u00e9. \nHist\u00f3ria povoada de bichos, matas, fantasmas, uma miscel\u00e2nea. Estava inspirado o av\u00f4. O neto aquietara-se. Olhos abertos fixos nos salamaleques imitativos do narrador. Hist\u00f3ria complexa. Torta. Desenredada. Todavia, repleta de a\u00e7\u00f5es, amea\u00e7as, suspenses, fugas, espertezas. Ao final, o neto, tendo respondido que gostara e depois de breve sil\u00eancio, passara a questionar certas passagens obscuras, situa\u00e7\u00f5es mal resolvidas. O av\u00f4 saiu-se como p\u00f4de. O neto, com um maroto ar de ah! tudo bem, deixa pra l\u00e1. \nPronto. Dava-se que o cansa\u00e7o ou o enfado de brincar chegava. Ia ao av\u00f4. E n\u00e3o mais era mero ouvinte das hist\u00f3rias. Passou a ser tamb\u00e9m diretor e interventor na composi\u00e7\u00e3o das mesmas. Pedia ao av\u00f4 a participa\u00e7\u00e3o de determinadas personagens, a exclus\u00e3o de outras, o g\u00eanero da hist\u00f3ria. Intervinha no curso da hist\u00f3ria, querendo a presen\u00e7a de algo ou de algu\u00e9m. E o contador tendo de cumprir conforme o requerido. \nOutra do av\u00f4. Das tr\u00eas gavetas de sua escrivaninha, inventou de presentear a do meio ao neto. Gaveta repleta de esquecidos, de inutilidades, de puros desusos. Nada mais inebriante aos olhos de uma crian\u00e7a saud\u00e1vel. Mexeu. Revirou. Remexeu. Refez. Reconduziu. O av\u00f4, n\u00e3o menos inebriado, ante a euforia do neto. \nDe ent\u00e3o, passou a abastecer constantemente a gaveta do neto de novas inutilidades. S\u00fabito, onde est\u00e1 o menino? Fulano, cad\u00ea voc\u00ea? Ao que respondia: \u201ct\u00f4 trabalhando na minha gaveta\u201d. \nAssim ia. A m\u00e1gica do neto tornando os inutens\u00edlios da sua gaveta nos mais e m\u00faltiplos elementos. Trabalhava soberana e sossegadamente em sua gaveta. At\u00e9 quando, o irm\u00e3o, o segundo neto, tendo chegado ao est\u00e1gio de senhor absoluto de suas pernas, descobriu a gaveta e quis tamb\u00e9m nela trabalhar.<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
A gaveta deles Data 20\/ago\/2004 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Coisas pr\u00f3prias de sujeito tomado por arrebatamento indescrit\u00edvel e irretorqu\u00edvel. Caso, por exemplo, de av\u00f3s ainda n\u00e3o mal das pernas, n\u00e3o-ranzinzas, de cabe\u00e7a sem grilos. Caso daquele av\u00f4. Houvera o neto. Primog\u00eanito. Recente her\u00f3i da fam\u00edlia. Havia os bisav\u00f3s tamb\u00e9m ainda comovidos com a vida cujas manifesta\u00e7\u00f5es gratuitas e espont\u00e2neas […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[17],"tags":[91],"yoast_head":"\n
A gaveta deles - POETAGEM<\/title>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\t\n\t\n\t\n