{"id":342,"date":"2004-11-05T01:32:00","date_gmt":"2004-11-05T01:32:00","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=342"},"modified":"2016-09-24T01:32:37","modified_gmt":"2016-09-24T01:32:37","slug":"cena-popular-brasileira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2004\/11\/05\/cena-popular-brasileira\/","title":{"rendered":"Cena popular brasileira"},"content":{"rendered":"<table border=\"0\" width=\"300\" cellspacing=\"0\" cellpadding=\"0\">\n<tbody>\n<tr>\n<td bgcolor=\"#660000\">\n<div align=\"center\"><span style=\"color: #fff7ee; font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">Cena popular brasileira<\/span><\/div>\n<\/td>\n<\/tr>\n<tr>\n<td><span style=\"color: #000000; font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">Data <\/span><span style=\"font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\"><span style=\"color: #000000;\">05\/nov\/2004<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n<p><span style=\"color: #000000; font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;\">\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Acordou com estrondos de coisa s\u00f3lida sendo despejada em algum recipiente de lata ou zinco. Algo assim. Tais estrondos ocorriam perto da janela do quarto em que dormia. Pausa. Estrondo. Pausa. Estrondo. Seu tempo de sono estava acabado. Ficou ainda um pouco mais. Os sentidos fixados no estrondo; pausa; estrondo; pausa; estrondo.<br \/>\nRotina matinal executada. Caf\u00e9 da manh\u00e3 cumprido, durante o qual soube tratar-se de umas remodela\u00e7\u00f5es por que passava o quintal nos fundos da casa, para o qual dava a janela do quarto em que dormia.<br \/>\nEra v\u00e9spera de feriado. Estava a passeio, usufruindo um daqueles tais finz\u00f5es de semana. Fora dar uma olhada em que consistiam as transforma\u00e7\u00f5es por que passava o quintal.<br \/>\nEncontrou um \u00fanico executor da obra. Logo o autor dos estrondos. Estes resultavam do impacto de peda\u00e7os de concretado que o homem quebrara de uma faixa do quintal e atirava numa carriola de m\u00e3o. Ali, o quintal retornara a terra, onde seria constru\u00eddo um ajardinado.<br \/>\nCumprimentaram-se rigorosamente com um m\u00fatuo bom-dia. Sil\u00eancio. Ele ficou olhando o trecho quebrado cujos cacos ainda estavam sendo removidos. O homem permaneceu descansando escorado no cabo da p\u00e1. Depois, tirou do bolso da cal\u00e7a um ma\u00e7o de cigarro que parecia vazio. Consultou o inv\u00f3lucro com o indicador. Encontrou um cigarro meio desalinhado. Amassou o ma\u00e7o vazio e atirou-o a um canto do quintal. Acendeu o cigarro sem se preocupar com realinh\u00e1-lo. Guardou o isqueiro no bolso da larga e longa camisa que ia sobre a cal\u00e7a mal acobertando a protuberante barriga. Deu uma baforada, olhando para ele e dizendo que era o premero. \u00c9 tr\u00eas ma\u00e7o por dia. Daqui a pouco, hora do rango, compro o segundo. Diz que faz mal. Oi eu, \u00f3 \u2013 mostrando, com a m\u00e3o direita gesticulando, o seu perfil &#8211;, nunca tive doente (ao retomar o trabalho algumas vezes tossiu uma tosse acatarrada).<br \/>\nDe fato era um homem forte. Alto. Robusto. No trecho do quintal em que trabalhava persistiam tr\u00eas ou quatro tocos de arbustos muito resistentes. No entanto, a for\u00e7a que imprimira com seu machado acabou por extirp\u00e1-los todos.<br \/>\nEstava suado. Dos cabelos bastantes, acobertados por chap\u00e9u de feltro puid\u00edssimo, bagos de suor escorriam para a barba farta de um rosto largo e franco.<br \/>\nAp\u00f3s a extra\u00e7\u00e3o dos tocos, novamente descansou ao cabo da p\u00e1, antes de recome\u00e7ar a remo\u00e7\u00e3o dos entulhos. Acendeu um cigarro. Olhou para o trecho j\u00e1 quase tornado pura terra. Disse terra boa. D\u00e1 umas alface e almer\u00e3o, umas couve. \u00c9 ou n\u00e3o \u00e9? Bateu com a p\u00e1 nas extremidades do concretado. Agora fa\u00e7o uma cinta de tijolo e cimento fora a fora. Evita a infiltra\u00e7\u00e3o da chuva. Fica um servicinho bom. \u00c9 ou n\u00e3o \u00e9? O senhor \u00e9 de fora? Ah! Conhe\u00e7o. Comprei uns boi bom l\u00e1. \u00c9. Tive boi bom mesmo. Tive s\u00edtio. Perdi tudo. Os home n\u00e3o deixa, n\u00e9? Isso \u00e9 s\u00f3 pra eles. \u00c9 ou n\u00e3o \u00e9? Mas n\u00e3o reclamo. Fa\u00e7o de tudo. De tardezinha, tomo minha cachacinha. Mais tarde, janto e durmo. N\u00e3o me intrometo com a vida de ningu\u00e9m. Tenho aquela carro\u00e7a l\u00e1 fora. Um bom burro. Vida apertada, mas honesta. \u00c9 ou n\u00e3o \u00e9? N\u00e3o. Cacha\u00e7a \u00e9 bom. Um pouco de \u00e1lcool \u00e9 bom. Todo home deve de beber um pouco. Muito faz mal. Mas n\u00e3o cerveja. Cerveja n\u00e3o \u00e9 bom.<br \/>\nTornou a silenciar-se. Acendeu outro cigarro. Mostrou o ma\u00e7o em que restavam mais uns poucos. Olhou o quintal. D\u00e1 uma bonita \u00e1rea. Churrasquera. S\u00f3 que aqui fica caro. Vai troco. Vai uns bom troco. Eh! Olha, por falar nisso, me lembrei. Preciso acabar logo aqui. Pegar o troco com o menino a\u00ed, seu filho, n\u00e9? E correr pagar a energia, sen\u00e3o fico sem ela nesse feriado. \u00c9 assim. Com d\u00edvida da gente eles age r\u00e1pido. \u00c9 ou n\u00e3o \u00e9?<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"<p>Cena popular brasileira Data 05\/nov\/2004 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Acordou com estrondos de coisa s\u00f3lida sendo despejada em algum recipiente de lata ou zinco. Algo assim. Tais estrondos ocorriam perto da janela do quarto em que dormia. Pausa. Estrondo. Pausa. Estrondo. Seu tempo de sono estava acabado. Ficou ainda um pouco mais. 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