{"id":41,"date":"2005-03-28T16:45:06","date_gmt":"2005-03-28T16:45:06","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=41"},"modified":"2016-09-23T18:29:09","modified_gmt":"2016-09-23T18:29:09","slug":"pascoa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2005\/03\/28\/pascoa\/","title":{"rendered":"P\u00e1scoa"},"content":{"rendered":"\n\n\n
Data <\/span>28\/mar\/2005<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

\u00a0 \u00a0 \u00a0N\u00e3o se tratava de estar depressiva. N\u00e3o era a sua condi\u00e7\u00e3o e situa\u00e7\u00e3o de vida que lhe do\u00eda. Os achaques cotidianos a afetavam de conformidade com o aceit\u00e1vel. De conformidade com a margem de pequenos, esper\u00e1veis e incomodativos contratempos. Todavia, nenhum grande infort\u00fanio. Nenhuma profunda ulcera\u00e7\u00e3o de alma. Pacata rotina, bom marido, queridos filhos, emprego bem visto, sal\u00e1rio modesto, por\u00e9m significativamente longe do aviltante m\u00ednimo.
\nAturdia-a de fato com freq\u00fc\u00eancia as degeneresc\u00eancias socioat\u00e1vicas em que vive condicionada a natureza humana. Por que se encaminhava a humanidade para isso? Avidamente viva, a ci\u00eancia prossegue na sua perscruta\u00e7\u00e3o incans\u00e1vel dos astros pr\u00f3ximos. E v\u00e3o descobrindo estarem todos est\u00e9reis. Para o que parece encaminhar-se a Terra. Tanto lhe arrancam das entranhas. Tanta a putrefa\u00e7\u00e3o que lhe entranham. Tantos os abates que a desgastam; que a devassam.
\nProstrava-a a inapet\u00eancia humana para o desprendimento (Era ver o bichos). A obsess\u00e3o pelo empreendimento incapaz de t\u00e3o-somente edificar, sem danificar. Tanto tempo custa \u00e0 terra acabar uma \u00e1rvore, aprontar uma mata, enquadrar os rios, fundear seus mares, distribuir seus animais, equilibrar seu ecossistema.
\nTodavia, o invento humano produz uma motosserra que a um jequitib\u00e1 p\u00f5e em terra em minutos; o engenho humano resulta certos dejetos que empestam peixes p\u00e1ssaros e os sucumbem em minutos; o invento humano produz certos produtos qu\u00edmicos que esterilizam o em que lhe aplicam por todo o sempre. A inata belicosidade humana germina assombrosas armas para exterm\u00ednio de tudo, inclusive gente.
\nAcabara de percorrer os jornais do dia. A sucessividade cotidiana de cat\u00e1strofes d\u00e1-se t\u00e3o r\u00e1pida, que se tornou um h\u00e1bito com elas conviver. Matar e morrer tornou-se, n\u00e3o uma remota probabilidade, um fato, um ato a que ningu\u00e9m escapa, tanto quando for e quando n\u00e3o for o caso.
\nAturdiu-a aquela recente rebeli\u00e3o de Febem e seus degradadores desfechos. Particularmente os estupros de duas mulheres funcion\u00e1rias com a fun\u00e7\u00e3o de psic\u00f3loga e educadora. Atuavam ali com o prop\u00f3sito de formar ou reeducar aqueles rapazes, os quais as estupraram. Esse um dos grandes riscos. O inquestion\u00e1vel dom da feminilidade n\u00e3o descaracteriza a condi\u00e7\u00e3o de f\u00eamea, que, por mais n\u00e3o queira, transpira sensualidade.
\nA iniq\u00fcidades. Ela ali no seu canto com seu sentimento de impot\u00eancia, padecendo sua in\u00fatil dor de mundo. Temia (profundamente) muito pelo porvir. Todavia, talvez tudo n\u00e3o passasse de excessivas apreens\u00f5es de uma mulher rom\u00e2ntica e ing\u00eanua. Teimosamente recusando-se a aceitar as coisas como s\u00e3o.
\nS\u00fabito, trazendo-a de volta \u00e0 vida que pulsava ruidosamente pelas salas de aula, pelo p\u00e1tio, pelas ruas que circundavam a escola, estacou-se ante a soleira de sua sala uma aluna, pedindo-lhe licen\u00e7a para entrar. Autorizada, a garotinha irrompeu at\u00e9 \u00e0 sua mesa. Assacou de uma pequena sacola um objeto feito de papel vermelho, brilhoso, laminado, num formato que significava ser um bombom cujo embrulho conotava um miniovo de P\u00e1scoa.
\nEla lho entregou, dizendo feliz P\u00e1scoa pra senhora. Recebeu agradecida, pregando-lhe um beijo, emocionada. E ficou ali por instantes em p\u00e9 mesmo, o presente m\u00ednimo amparado pelas duas m\u00e3os em concha. Ficou ali observando aquele futuro repleto de viva vida presente e, certamente, de confiante esperan\u00e7a, ir-se cheia de si, senhora de seu destino.<\/span><\/p>\n

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