{"id":99,"date":"2005-10-20T18:12:47","date_gmt":"2005-10-20T18:12:47","guid":{"rendered":"http:\/\/poetagem.com.br\/?p=99"},"modified":"2016-09-23T18:13:23","modified_gmt":"2016-09-23T18:13:23","slug":"pinhe-pinhe-torna-a-reinar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/poetagem.com.br\/2005\/10\/20\/pinhe-pinhe-torna-a-reinar\/","title":{"rendered":"Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 torna a reinar"},"content":{"rendered":"\n\n\n
Data <\/span>20\/out\/2005<\/span><\/span><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Ent\u00e3o o bisneto, que em pequeno muita vez adormecera a sonhar no embalo das hist\u00f3rias narradas pela av\u00f3, cedeu \u00e0s inst\u00e2ncias dos netos. Olhou bem dentro de cada par de olhos estendidos na poltrona e anunciou. Trata-se de uma hist\u00f3ria de p\u00e1ssaro. Longa hist\u00f3ria e intermin\u00e1vel no tempo do pai de voc\u00eas crian\u00e7a. \u00c9 a hist\u00f3ria da vida do gavi\u00e3o Pinh\u00e9-Pinh\u00e9. Garboso p\u00e1ssaro carn\u00edvoro que reinou absoluto por aqueles s\u00edtios campicitadinos. Aten\u00e7\u00e3o, meninos, l\u00e1 vem Pinh\u00e9-Pinh\u00e9.
\nNum v\u00f4o rasante, magnificamente aterrorizador (eles britariam de espanto e ririam de medo), Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 aterrisou. Soberbo p\u00e1ssaro. Imponente por natureza. O garbo do porte, pouse onde pousar. Se no solo, se move feito aquelas donzelas em passarelas modelares. Vai em si por si mesmo. N\u00e3o seduz. Imp\u00f5e-se, que a fome tem pressa. Nada escapa aos seus olhos como aos de \u00e1guia. Porque Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 a \u00e1guia l\u00e1 do sert\u00e3o. O carcar\u00e1 tem\u00edvel. Que, esse sim, mais da \u00e1guia se aproxima: em porte, fei\u00e7\u00e3o e feitos. Come cobra, quando h\u00e1 nada que se escolha. Ataca burrego, bezerro rec\u00e9m-nascido, se o descuido do sertanejo, nos pastos os deixa. Carcar\u00e1 \u00e9 coragem e valentia, j\u00e1 o imortalizou a cl\u00e1ssica can\u00e7\u00e3o com que nos agraciaram Jos\u00e9 C\u00e2ndido e Jo\u00e3o do Vale.
\nPinh\u00e9-Pinh\u00e9, todavia, n\u00e3o fica tanto atr\u00e1s. Tem suas ousadias. Sua morada, seu habitat, as matas de pequenos s\u00edtios pr\u00f3ximos \u00e0 cidade. Onde campeia. Com estridente piado de quem se acha em guerra, Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 sobrevoa estes ares sempre pronto para s\u00fabitos ataques. Ai dos pintinhos pelos quintais, n\u00e3o obstante a n\u00e3o menos valentia da galinha-m\u00e3e: penas todas eri\u00e7adas, asas abertas, bico em riste, tenta investir em Pinh\u00e9-Pinh\u00e9. N\u00e3o lhe d\u00e1 de barato sua cria.
\nOs p\u00e1ssaros pequenos \u2013 pardais, pombas do tipo amargosa, sanha\u00e7os \u2013 apavorados se safam como podem. Os bem-te-vis, por\u00e9m, que por a\u00ed residem, n\u00e3o s\u00f3 n\u00e3o se intimidam, como em Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 investem bicando-lhe o dorso. Porque menores, mais \u00e1geis no espa\u00e7o. E com seus agudos bicos molestam o dom\u00e9stico gavi\u00e3o Pinh\u00e9-Pinh\u00e9.
\nSalvo, finalmente, por um galho protetor, Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 solta seu grito de guerra e raiva (Ai dos bem-te-vis: se os pega, espeda\u00e7a-os!) E seus extraordin\u00e1rios olhos de super-homem espreitam todo o territ\u00f3rio. Quase imposs\u00edvel que presas n\u00e3o vejam. Decerto estuda-as sem que muitas n\u00e3o o percebam, n\u00e3o o pressintam. S\u00e3o as mais vulner\u00e1veis.
\nE, s\u00fabito, sem que nada se desse, quando tudo no quintal reinava em calma, sob o forte calor, Pinh\u00e9-Pinh\u00e9, vindo n\u00e3o se sabe exatamente de onde, ali desabou. Houve um reboli\u00e7o de tatalar de asas e gritos de p\u00e1ssaros em afli\u00e7\u00e3o.
\nE espantado de incredulidade, o dono do quintal viu o predador debater-se, por instantes nos galhos de um p\u00e9-de-pinha, derrapar no ch\u00e3o de cimento e ir pousar num galho da goiabeira. Tudo num relance. Mas com ele nenhuma presa.
\nVerdade. Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 n\u00e3o abatera seu jantar. E se n\u00e3o houvesse engano, que a natureza apenas soubesse, o que o impediu foi, decerto, n\u00e3o contar com o p\u00e9-de-pinha no meio do caminho. Ou por n\u00e3o t\u00ea-lo dimensionado com a devida precis\u00e3o, j\u00e1 que aquele ia em seca progress\u00e3o.
\nCerto \u00e9 que Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 achou o alto da goiabeira. Onde pousou decerto meio humilhado e cheio de ira. Cometer tal deslize por certo depunha contra a honradez dele pr\u00f3prio, sarado e garboso gavi\u00e3o. Ou fora um pren\u00fancio, aviso primeiro de que a mocidade j\u00e1 o deixava e com ela iam as agilidades e espertezas?
\nNo ch\u00e3o do quintal, viu-se que se debatia, desesperado um filhote de pomba. Era a presa perdida. O dono do quintal pegou-a. E constatou quebradura de pesco\u00e7o. Estava completamente acabada em seu princ\u00edpio de vida. Melhor e mais justo que Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 a abatesse logo, que agonizar no p\u00f3 do ch\u00e3o e depois se servir aos vermes.
\nDecidiu, pois, dep\u00f4-la em um galho de \u00e1rvore claramente exposta ao gavi\u00e3o que continuava no alto da goiabeira. Moral abatida, embora n\u00e3o perdesse a pose. Em absoluto sil\u00eancio (n\u00e3o mais emitira seus pinh\u00e9s-pinh\u00e9s), mas atent\u00edssimo.
\nE Pinh\u00e9-Pinh\u00e9 veio. Por segundos, voando pairado no ar, ficou diante da avezinha jazida. E de repente al\u00e7ou enorme v\u00f4o-de-embora, soltando seu pinh\u00e9-pinh\u00e9 de guerra.
\nOs meninos se entreolharam. Depois, o av\u00f4. E o mais velho (em seguida repetido pelo mais novo): ah! v\u00f4! Conta direito a hist\u00f3ria.<\/p>\n

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