Pai

Data 11/ago/2005

Filhos. Não tê-los, seria o fim. Mantê-los acaba sendo o que se tem por fim. No fim, sabê-los melhores do que fora. Pódio almejado quando se cuida desse vale de lágrimas, desse deus-nos-acuda.
A trilha de um filho em que se semeiam múltiplas minas: o canto das serias doidivanas; a magia dos alucinógenos; a sedução das vitrines; a decantação das linguagens com suas insinuantes pabulagens.
Filho estabelece estados vários no estado-família. Há que lhe prover com a melhor comida. Há que lhe obter as melhores acolhidas. Há que lhe conceber as mais dignas tratativas.. Há que lhe dotar das necessárias sabedorias. Há que lhe coibir as deformantes idolatrias. Há que lhe preparar contra as muitas patifarias. Há que lhe aclarar as destrutivas evasivas. Há que lhe alertar sobre as inúteis confrarias. Há que lhe vacinar contra as corrosivas mesquinharias. Há que levá-lo a aprender os estados de calmaria. Há que lhe ensinar os vários estratagemas contra os pusilânimes e as covardias. Há que lhe dizer sobre as astúcias das piratarias. Há que lhe encarecer os benefícios da disciplina. Há que lhe apontar os prós e os contras da rebeldia. Há que prepará-lo para as incessantes alquimias. Há que lhe acautelar das imperceptíveis ridicularias. Há que encorajá-lo pela conquista de sua autonomia.
Um filho põe um pai não só na condição de animal protetor. Bole com seus sossegados neurônios. O que lhe a de vir e o que lhe a de ser vão com ele onde for. Um pai por seu filho tudo faz. Dá-lhe mimo e cartaz. O quer, das crianças, a mais sagaz. Esforça-se por aceitar quando ele fica para trás. Um pai, mesmo o que de abrir-se não seja capaz, desmantela-se todo ao vir enobrecido o seu rapaz. Um pai sempre estende ao filho a sua bandeira de paz. Um pai projeta-se manifesta ou hermeticamente na virilidade do filho tenaz. Põe-se em consternação inconsolável, quando se lhe insurge um filho sequaz. Põe-se cabisbaixo, alquebrado ante um filho ferrabrás.
O sonho de pai é ter o filho alcançado ao triunfo. A esperteza do pai pelo filho acaba, muita vez, o tornando um grande intruso. A defesa cega do pai em favor do filho acaba quase sempre em inaceitáveis abusos. O excessivo zelo que lhe vota o pai, muita vez, põe o filho em desespero. O maniqueísmo por que se conduz o pai constrói o filho que vive com o medo em pêlo. A nenhuma humildade do pai fomenta o filho soberbo. As inoperâncias e truculências de um pai em desmazelo põem o filho em aflitivos atropelos. Os moralismos freqüentes do pai inconseqüente resultam um filho a esmo.
A confiança do filho no pai abre as portas para sua eterna aliança. As surras levadas pelo filho inoculam-lhe indefinido sentimento de vingança. O impacto que lhe imputa a alargada ignorância do pai semeia no filho uma ignóbil ganância. A incauta desfaçatez que move o pai instaura desgastantes conflitos com o filho, uma relação tecida pela completa escassez. Embora pareça meio impossível, muita vez, um filho tem o pai com declarado inimigo: porque é homem de pouco siso; porque é homem que não sabe dar senão tiros; porque é torpe marido; porque tem com os outros contínua atitude de bandido. Um filho conflita com o pai em virtude de oriundos das famigeradas gerações opostas. E, em vez de se darem conta disto, se dão as costas. Muita vez o filho é um prestimoso e dedicado pai do pai que passa o resto dos seus dias como sendo um filho que desfaz, acusando de pouco, o muito que lhe proporciona aquele filho pai.
Um filho ao pai: o meu pupilo; o meu guri. Um filho ao pai: o meu menino, meu orgulho, meu futuro. Um filho, ao pai: ele vai sair dessa, com minha luta, com minhas preces, com minhas promessas. Um filho ao pai: por quê, o que não fiz por você, o que não houve para o merecer?
O pai sabe que a mãe lhe precede no coração do filho, conquanto normalmente seja ele seu grande ídolo. Um pai: os passos do filho levando consigo os projetos, os sonhos que se fizeram por seu destino.