Data 04/jul/2004 |
Construir é desconstruir, talvez seja a máxima máxima humana. Nada há que se faça que não decorra daí ou para aí se converta. E é certo que são atos intricados, conjugados e mutuamente necessários, embora contrários, que, afinal, sinônimos não prescindem de antônimos.
A crer no que sustenta até agora a ciência, assim fez-se com o bigue-bangue; a crer na bíblia, assim se fez com Adão e Eva: do Paraíso ao vale de lágrimas.
A desconstrução é ato dos que não construíram, que por razões ou desrazões opõem-se ao que fora construído. Todavia também desconstroem o construído os que se ocupam em construir.
Desconstruir para compreender a construção ocupa o cotidiano de concentrados trabalhos de cientistas e tecnólogos. Dedicam a vida a desconstruir a condição de ser de cobaias, cadáveres. Ainda que pressuponham como efeito uma construção de benemerência humana.
Quanto menos tribais, mais civilizados. E as urbes desconstroem formas de vidas primárias por viverem e conviverem povos diferentes numa nova forma de construção de vida humana, cujo efeito, a civilidade, é dado como a evolução global da espécie.
Então, construir implica desconstruir. Desconstruir pressupõe construir.
Guerra é ato dado como causa de se desconstruir algo em nome de suposta necessidade de se construir outra coisa. Deu-se a desconstrução da aristocracia imperial russa para se construir um Estado popular cujo resultado foi a conhecida União Soviética. Esta mesma, décadas depois, desconstruída para a nova construção de Estados já sidos. A desconstrução do império inglês de que resultou a construção de nova forma imperial: o moderno e pós-moderno império dos Estados Unidos da América
A construção de grandes capitais que implicam desconstrução de muitos pequenos. A desconstrução de múltiplas etnias e culturas que assim se fazem na construção das que são ostentadas como os valores dignificantes.
A desconstrução do artesanato servidor das simples e modestas necessidades pela construção dos complexos, sofisticados e excessivos objetos de mercado de consumo
A construção de um contingente bilionésimo de seres humanos em situações inumanas de absoluta pobreza e de miserabilidade pela construção de abastadas e acumuladas riquezas de alguns milhares.
Que há desconstruções construtivas, as há. As que vão na contramão da história; as que vão apontadas como contravenção; as que incomodam, porque desmodelizam, porque incluem, porque desobstruem; as infindas desconstruções que a linguagem popular descomprometida inflige à recatada e conservadora língua.
A construção de grandes hidrelétricas para a energia de que depende completamente esta sociedade contemporânea, desconstruindo a estrutura de rios cuja forma parecia sagrada, portanto, intocável. Desconstrói-lhes o leito, as margens, as matas ciliares, a feição, a imagem. Desconstrói povoados; desconstrói potenciais construções alimentares em terras férteis submergidas.
A construção de rodovias pavimentadas cujos bens sociais conseqüentes são inquestionáveis; cujas desconstruções de ferrovias e suas tradições sociais são deploráveis.
A construção industrial tão incensada por seus muitos benefícios nesta era do capitalismo de mercado de consumo, cujas desconstruções do límpido oxigênio, da vida de rios, das condições climáticas, são inaceitáveis.
A desconstrução intelectual, cultural, dos valores humanos tão caros à grandeza próspera do homem solidário, criativo e dadivoso, exatamente porque se construiu a democrática expansão da ocupação do bancos escolares em todos os níveis do sistema de educação.
Então, há a construção que desconstrói e a desconstrução que constrói.