Os jornais vieram dizendo que o Nobel da Paz do ano era um banqueiro. Estranhou. Teve um certo estado preliminar de indignação. Admitir que bancos podiam agir em prol da paz humana, geral e indistinta, além, portanto da pessoal, grupal ou setorial, parecia uma maquinação que lhe escapava.
A vida inteira, até ali, e nada indiciava que poderia vir a ser diferente, lera, ouvira, soubera que os grandes lucros financeiros obtidos por empresas eram os angariados pelos bancos. Com os bancos sempre ficaram os inebriantes saldos de vultosos lucros disponíveis.
Funcionário público cuja remuneração ao seu trabalho nunca passou de um sal hilário depositado em banco a cujas determinações obrigatoriamente havia que se submeter. Um rol de obrigações taxativas impostas àqueles caraminguados níqueis postos à disposição do banco em uma conta dita dele, mas pelo banco contabilizada través de “pequenos serviços”. Em um banco tudo é movido a dinheiro que precisa ser remunerado pelo correntista, por quem, afinal, todas as operações bancárias estão a serviço.
Sempre pensara que o banqueiro era a mais bem sucedida conseqüência capitalista gerada pela ansiedade do capital de crescer ainda mais, porém ante um risco quase zero de perdas. Sob a percepção arguta dessa angústia, nasceu esse tendão tão capitalista quanto aquele. A grande sacada de seu instinto: remunerar o dinheiro daquele ganhando dinheiro a si ao remunerá-lo em empréstimo a outrem. Depois a máquina da necessidade de ganhar sempre e a perda, como uma contingência tenazmente evitada, foram alimentando a fértil criatividade na consecução do infindável lucro.
Sempre vira, pois, a casa bancária (o banqueiro sempre uma abstração) como uma aproveitadora de seu ínfimo dinheiro ao qual faz pouco caso, mas não despreza e lhe exige conduta moral — financeira — ilibada para tê-lo como uma pessoa física digna de constar da lista de seus clientes. Sob pena de não ter nenhum titubeio para enviar seu nome ao Serviço de Proteção ao Crédito, caso tal conduta não seja observada.
Todavia, também não vislumbrara outra saída senão submeter-se a essa coerção de seu tempo. O mundo, desde há alguns séculos, viera sendo cada vez mais dos banqueiros. Agora mais do que nunca. Tem mesmo ouvido dizer que hoje sem os bancos seria o caos. A paz possível ainda não mais o seria, se de repente desaparecesse essa forma de sistema financeiro e armazenamento de dinheiro.
Pra frente é que se anda, diz a sabedoria popular, essa para a qual não surgiram os bancos, mas dos quais também hoje é dependente, tão logo passa a fazer jus a um justo e sistematizado dinheirinho.
Os detentores do Nobel da Paz têm sido, de Gandi a Madre de Calcutá, via de regra, cidadãos cujas ações incontestavelmente promoveram o bem estar social da humanidade calcados da intransigente defesa da abolição da miséria, da fome, das injustiças, das violências, das não-liberdades. Ora, assustara-o o fato de que um banqueiro também pudesse integrar uma lista dessa natureza.
Entretanto, saiu da matéria jornalística, entre desconfiado e comovido, simpatizando-se com o novo Nobel da Paz Muhamad Yunus e seu Banco Grammen a que denominam de banco dos pobres. É, sim, uma história de fazer acreditar que, de repente, alguém demonstra ser a humanidade um caso não-perdido, não obstante tenha tanto e continue a devassar a si mesma e os outros seres.
Empresta dinheiro aos pobres efetivamente e a garantia é tão-somente a palavra empenhada. É certo que Banghadesh é um país mulçumano, crença mais rígida; é certo que os empréstimos são feitos às mulheres (que são mulçumanas) que os contraem em pequenos grupos que se auxiliam (se “policiam”) mutuamente no cumprimento da obrigação.
Mas também é certo que essa é uma particular e específica forma de olhar o outro com olhos de reconhecimento e verdadeira aceitação, desvestidos da lucratividade perversa. Uma iniciativa e ação particular que nem mesmo os bancos estatais dos denominados governos social-democratas e socialistas se atreveram a praticar.
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