Data 01/Abr/2005 |
Uma metrópole assusta. Tamanho incomensurável. Que parece interminável. Que parece nunca parar de expandir-se. Que jamais é a mesma. Que feito Fênix vive fazendo-se, desfazendo-se e refazendo-se.
Uma metrópole é um poligigantesco móbile multifurtacores; multifurtadores; multifurtamores; multifurtarrancores, multifurtaodores; multifurtahorrores.
Metrópole parece-se com o ciclo da vida. No início foi mata verde com rios de águas limpas; com animais silvestres; com pássaros e insetos sendo seus habitantes. O despertar das manhãs ruidosas tecidas por relinchos, mugidos, urros, berros, gorjeios, cantares zumbidos, sons de ventos percutindo nas árvores, nos barrancos dos rios.
A pacatez das tardes modorrentas quase completamente caladas, quando a sonolência grassa pela mata. Depois as noites soturnas, quando tudo adormece, ficando vivos apenas os animais que somente à noite despertam.
E chega o tempo em que o homem a mata descobre. Instala-se com sua choça. Planta sua roça. Mata e espanta a caça. Realça um pasto para seu gado e cavalos. Soma-se a aliados na expansão do que se torna um povoado. Que ascende a vila. Que ascende a cidade. Pequena ainda, todavia já com cara civilizada. O comércio feito de armazéns, de armarinhos, lojas, açougue, bares, sapataria, pensões. E o paço municipal. O cartório. O grupo escolar. A delegacia de polícia. A coletoria. A praça. A igreja.
Ocorre de ali instalar-se, pelas razões que o olho do capital eximiamente sabe, uma fábrica. Que logo se torna indústria. Pronto: a vertigem civitas fermenta. Similares e decorrentes vêm no rastro. O faro financeiro logo planta o sistema bancário. Quando se vê, já é uma baita cidade. E querendo mais. No crescimento da cidade é que medem o desenvolvimento do capital cujo vigor expansionista é infindável.
Cidade grande é lugar de grande consumo. Querência maior do capital. Cidade grande leva a crerem ser onde a vida melhor se explica. É rica. Logo, pólo de atração de multidão de vida iníqua. Preferem-na à vegetativa, empobrecida e destituída vida das entorpecidas cidadezinhas. Preferem-na à empedernida pobreza nordestina.
Na grande cidade a vida passa mais rápida. São tantos os apelos à esperança, à cobiça, aos desejos, que o estado em que está é, para qualquer pessoa, sempre provisório. Logo, vai passar. Ainda que quase sempre nunca passe. As ilusões e os sonhos são contínuos, intermitentes, que acabam por se fazer uma condição de ser.
Na metrópole cabem os ricos, os remediados, os mendigos, os bandidos, os machos, os ambíguos. Na metrópole cabem os granitos, os neons, os grandes parques industriais com seus milhares de operários bem e mal pagos. As grandes redes bancárias com suas grandezas multiplicadas pelos eternos juros generosos.
Na metrópole cabem os megaprédios abrigando negócios, ócios, trabalhos laboriosos. Nela cabem bairros médios, bairros periféricos, bairros fétidos com seus recursos leprosos, com seus usuários arruinados.
Cabem na metrópole homens sólidos; homens sórdidos; homens dolosos; homens inescrupulosos; homens cancerosos; homens rancorosos.
A metrópole é uma espantosa síntese. Nela coexistem a riqueza, a miséria e a opulência; o capital e o trabalho. A metrópole é o sofrimento, a aporrinhação, o aborrecimento, a correria, o desenfreado movimento, dos quais seus metropolitanos não admitem se desvencilhar.