Contar e inventar histórias

Contar e inventar histórias
Data 16/jul/2004

     A prática de inventar histórias talvez lhe viera da prática de ouvir histórias. E o gosto e o prazer de contar histórias por certo é conseqüência desta prática de ouvir histórias.
No grupo escolar da sua infância, lhe acontecera a prática de contar e ouvir histórias. Nas duas últimas séries, a mesma professora fora a delicada e altaneira contadora.
Aos sábados. Depois do recreio. Ânimos refreados. Seus alunos postavam-se relaxadamente na carteira (da vez primeira explicara que não se confundisse relaxar com desleixar: dar vazão à alma, dar ânimo à solta imaginação; mas o corpo em postura respeitosa, própria de pessoas educadas.)
E entre simpática, amável e solene, arranjava na mesa o livro de que emanariam os inebriantes acontecimentos, recompunha as cortinas para as devidas luminosidade e penumbra.
Enquanto cadenciadamente ia dispondo o ambiente e os espíritos, captava as atenções recaptulando os acontecidos contados até o instante.
Histórias apresentadas de forma folhetinesca. A cada sábado um episódio. De certo outro recurso para fomentar a curiosidade da audiência. Pronta a sala, os olhos todos desejosos de saber como prosseguiria a história.
Então, em pé, vozes representadas e distinguidas, devidamente entoadas e entonadas, expressão facial e gestualidades do corpo com os braços e mãos simulando situações. E a todos embarcava no universo sagrado e mágico da imaginação.
Sua cristandade impunha-lhe a propensão a tomar para sua história a história da bíblia. E suas crianças, entre temerosas e aventureiras, metiam-se pelo vale do mar aberto pelo mágico bordão de Moisés, pelas façanhas de José no Egito.
Nas férias escolares, as histórias sabatinas povoadas de gente com auréolas, mantos barbas e cabelos longos ficavam suspensas. A circunspecta e altiva senhora ia descansar.
Era então que para algumas daquelas crianças entrava em cena outra contadora de história. E outras eram suas histórias, outras as personagens, outro o lugar e a hora.
Iam, em férias, para uma fazenda. A contadora dessas histórias era a avó cujo marido, o avô, a fazenda administrava.
A avó era magra e rústica. Dócil e brava. Risonha e carrancuda. À noite ia ao alpendre suspenso e aberto ao céu de estrelas e luar. Sentava-se em sua cadeira preguiçosa. Eles, pelo chão, sentados, deitados.
E começava um rosário de histórias povoadas de lobsomens, rios, matas, cafezais, onças, macacos, sapos, cobras, cães, bois, cavalos, roças, homens rústicos, simples, malvestidos, malcalçados.
Um mundo não menos mágico que o outro, porém inteiramente mítico. Mundo em que a invenção não ia além de si mesma. Mundo em que a ambiência, o espaço e as personagens, ainda que dotados dos mágicos poderes que a invenção lhes emprestava, eram dos receptores reconhecidos, tangíveis.

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