Gaúcho

Gaúcho
Data 08/out/2004

     Sabia nada sobre bois. Apenas por eles tinha uma certa atração.
A mansidão aparente e cotidiana deles. A placidez com que intermitentemente pastam, mesmo quando seco ou palha o capim. Ruminar incessantemente é um dos seus traços.
Sabia um pouco distinguir o boi de carro. Enormes chifres. Tanto quanto o tamanho, o peso. Um boi obeso. Capado. O que também o tornava lerdo e pacífico. Dócil à canga. Afeiçoado ao carro-de-boi modelar. Assim, causa muito estranheza um carro puxado por animal senão deste.
E o boi reprodutor. A que se denomina de touro. Solto no pasto. Sem canga, sem nada. Livre para comer, perambular. Sua nobre e privilegiada tarefa era cobrir as fêmeas em cio. Volumoso saco dependurado ostentando suas potencialidades fertilizadoras prontas a emprenhar quantas fêmeas fossem. E normalmente eram muitas. Que seus proprietários queriam-nas férteis, pródigas parideiras.
Então as fazendas medianas tinham o seu touro-mor. Garboso garanhão cujo destino era possuir as noviças novilhas quando o cio as afligisse. E mesmo certas vacas que ainda padeciam desse atávico e irresistível desejo de ser possuída por touro.
A fazenda cujo administrador era o avô tinha o seu. Belo nerole no vigor de sua pujante e insaciável juventude bovina.
Gaúcho. Toneladas de massa bovina branco-acinzentada. Imperador daqueles alguns pastos, povoados de gado de leite e de engorda. Todo dia inteiro, Gaúcho passeando e pastando por toda sua roça.
Brutamontes de boi bonito de se querer bem por causa de sua dócil bem querência com seus vários donos, os seus familiares da fazenda.
Qualquer familiar da fazenda fazia Gaúcho se entregar de alma e olhos fechados mediante alongadas carícias a bois. Depois de muito coçado, ou a uma interrupção, Gaúcho lambia com sua língua-lixa pedindo mais.
O avô, dos grandes conhecedores de gado, daqueles de classificar com detalhes um berro ou mugido não visto, afirmava que Gaúcho detinha todos os dotes exigidos de um perfeito touro nelore.
Em certos períodos de tempo a fazenda punha em aluguel o seu mais vasto pasto. Boiada alheia ficava ali mês, meses confinada. Bom capim, boa aguada de rio. Já criara fama de pastagem abnegadora.
Uma boiada dessas viera carregada de novilhas, fêmeas todas de um touro apessoadíssimo. Gaúcho, boi daqueles espaços, passeava rente à cerca observando os hóspedes.
Deu-se que o cio de uma novilha fê-la engraçar-se com Gaúcho. O touro hóspede achou de intervir.
Briga de touro era desmedida. Não havia o que os apartasse. Não havia o que os impedisse. Em vão cercas, árvores, barrancos. Vão levando tudo feito tratores de esteira. Cabeças presas. Destroem o que está em seu caminho. Somente quando a morte abate um, cessam.
Todavia, naquele dia levou ambos. Exaustos, com fundas feridas, caíram de alto barranco no rio. Gaúcho era touro de estimação. A fazenda ficou triste. Perdera um ente, mais que mero boi reprodutor. Não apenas o perfeito touro, perdera o boi Gaúcho.

Deixe um comentário