Terra
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Data 23/jul/2004 |
A terra. Matéria feita de nada e de tudo. Que a tudo envolve, gera, vivifica e nadifica. A terra que acoberta pedras, ferros, zincos, prata, ouro. A terra que traga, engole os muitos artefatos putrefeitos por seus homens. A terra com seus tumores expostos e intumescidos, que, súbito, irrompem, expelindo seu pus incandescido e fervente, calcinando o que pela frente vai encontrando. A terra que com a água mantém essa imemorável combinação contrastante para a sustentável compactação desse planeta arredondado, soturno, refratário, diáfano.
A terra à mercê dos homens que nela fazem e desfazem; que dela dispõem; que a tratam como mera matéria inerte, perene, inacabável, eternamente fértil. A terra que se faz tijolo, argamassa para as várias e mutáveis moradas de homens. A terra imprescindível e única para a erva, a relva, as flores reais, avivando o prazer de existir aos homens nessas suas moradas.
A terra com seus muitos sistemas funcionais (ainda) desconhecidos de seus curiosos, atrevidos, teimosos e indômitos homens, aos quais lhes parecem perigosos inimigos todos os demais seres vivos que não sejam inofensivos e não lhes sirvam. Que consideram inúteis e inimigas as legiões de insetos. Inúteis e perigosas as muitas manadas de bichos tidos como ferozes. Apenas lhes servem pequenas porções de espécies para com outras tantas de pássaros comporem os zoológicos.
A terra que é única e insubstituível à condição de vida aos homens, os quais tão desprezivelmente a tratam, como se filhos a lhe dizerm que, se os pariu, tem a obrigação de os prover. E a terra, mãe maltratada, como toda mãe, os provê, embora tão mutilada quanto desprezada. A terra os provê da água doce potável à vida; provê-os do mantimento imprescindível à vida, que de sua própria entranha brota; que indiretamente está nos outros víveres que à manutenção da vida humana servem.
A sedosa terra. A maciez de sua textura. A indescritível temperatura de sua pele, de seu corpo. A terra mãe-pátria-berço de cuja atração parece fugir o homem quanto mais se sofistica em sua escalada civilizatória que cada vez mais o barbariza. Uma inútil destelurização suposta, pois que é terra e nela se converterá por mais pedra e cimento com que se reveste na ilusória pretensão dela se isolar.
O seu quintal de terra. Com seu gramado. Com suas plantas, árvores frutíferas. Com seu canto onde enterra seus animais. Em covas que ele mesmo escava. A terra aconchegante. Terra cujo contato, cujo hálito apaziguam. Terra cujo seio dá a seus cães mortos como o definitivo abrigo; a seus entes, a seus amigos, e que a ela se dará também como sua última entrega.