Data 25/fev/2005 |
Quando menos se dava conta, ela se deixava ver. Aparecia a distância. Mas fixa e francamente interessada nele. Não perdia uma estada sequer. Era assim. Quando ele saía-se de si e buscava o entorno, se lembrava de ver em que canto ela estava. Nalgum. Tinha certeza. Menos por presunção. De fato, porque ela não perdia nenhuma vez. Discretíssima num seu canto escolhido a distância. Olhos pregados nele.
Aquilo não o incomodava. Envaidecia-o muito menos. De algum modo, intrigava-o. Postada a certa distância e semi-exposta, não impedia, contudo, de que percebesse tratar-se de uma garota. Razão suficiente para que descartasse qualquer interesse de natureza afetiva-sensual.
E a menina não o perdia. Todas as manhãs de sábado. Imediatamente lembrava-se dela ao chegar. Entretanto, não a via. Perscrutava. Nada. Ia preparar-se. Quando a esquecia. Vestia-se devidamente. Então, punha-se a alongar-se. Enquanto assim, sabia que de súbito semi-apareceria nalgum ponto.
E desse jeito sendo, um dia, terminadas as baterias de alongamento, antes de entregar-se à piscina, acenou-lhe duas, três vezes. Ela não correspondeu. Terminada a natação, não a vira. Sábados sucessivos, limitou-se ao habitual. Certa feita, tornou a acenar. Uma, três. Aí ela correspondeu. Um aceno acanhado e um esboçado sorriso.
Foi por aí, feito um índio, um bicho arredio, pacientemente concedendo confiança. E vindo para perto. Aos poucos. Encurtando distância de aceno a aceno. De sorriso a sorriso. O máximo de concessão fora passar a sentar-se em um banco sob uma árvore muito próximos da piscina.
Agora, ela já lá estava, quando ele chegava. Ao ir-se, lá permanecia imóvel. Uma estátua feita. Mutuamente acenavam-se, sorriam-se. Ele paramentado, alongava-se e antes de atirar-se à água, trocava aceno e sorriso. Natação acabada, uma hora depois, alongamento, sorrisos e acenos de despedida.
Num certo sábado quebrou essa rotina. Depois de alongar-se, foi até ela. Que, surpreendida, subitamente empalideceu, agitou-se, fixou o solo, recusando-se a encará-lo. Ele estendeu-lhe a mão sem obter correspondência. Disse seu nome e não obteve o dela fixa em sua mudez. Disse-lhe tchau e foi nadar. Ao sair, não a viu. Temeu espantar a menina.
Todavia, sábado seguinte, lá estava. Mal acabara de alongar-se, ela levantou-se do banco. Tropeçou alguns passos em sua direção. Parou, ficou fixada nele. Instantes de hesitações. Foi a ela, estendeu-lhe a mão. Ela aceitou. Cumprimentou-a com beijinho, beijinho. Sorriram. Ela, enrubescida. Ele insistiu em lhe saber o nome. Insistiu. Então, em fim, uma voz engrolada soou mal pronunciando seu nome. Em seguida tornou ao banco num andar desengonçado de quem parece se equilibrar com dificuldade.
Então ele conheceu tratar-se de uma garota com deficiências. Foi a ela. Sentou-se. Insistiu em restabelecer a conversação. Ela era filha da zeladora do clube. Órfã de pai. Ia de casa para a escola. Desta para casa. Um perua prestava-lhe esse serviço. Queria ser médica. Embora não confessasse, tinha vergonha de sua condição. Vivia reclusa. Um dia de suas sorrateiras andanças, viu-o preparando-se. Os alongamentos. Os ajustes na toca e nos óculos. As nadadeiras (de um azul muito bonito!). Depois, a sua natação. Achava lindo aquilo tudo! Daí ficar pelos cantos expiando-o.
Convenceu-a a entrar na piscina. Ele a ajudaria a aprender. Ela ficou entre temerosa e eufórica. Falaria com a mãe. No sábado seguinte, já pronta e a mãe o esperavam. Passou a ser assim A felicidade extravasava pelo semblante e o corpo todo de Olga. Ele, agora, vez em quando, enquanto ela esbatia-se toda em sua alegria n’água, postava-se numa das bordas da piscina e ficava pensando na filha que não tivera e que podia ter sido.